Biografias - Carlos Chagas

Infância no interior de Minas Gerais
Carlos Ribeiro Justiniano Chagas nasceu no dia 9 de julho de 1878 na Fazenda Bom Retiro, localizada à cerca de 20 km de Oliveira, em Minas Gerais.

Primeiro dos quatro filhos de José Justiniano Chagas e Mariana Cândida Ribeiro de Castro Chagas, nasceu onde haviam se enraizado seus antepassados há quase um século e meio, todos de origem portuguesa.

Órfão de pai desde os quatro anos, Chagas passou a viver parte do ano na Fazenda Bela Vista, outra propriedade da família, onde sua mãe assumiu a administração do cultivo do café. A fazenda situava-se na estação de Águas Limpas, próximo a Juiz de Fora, Minas Gerais.

Em Oliveira, a convivência com seus três tios maternos, Cícero, Olegário e Carlos, marca profundamente a infância de Chagas. Os dois primeiros eram advogados formados em São Paulo e estimulavam constantemente o sobrinho a dedicar-se aos estudos. O terceiro, Carlos, que se formara em medicina no Rio de Janeiro, era dono de uma clínica em Oliveira para onde acorriam todos os doentes da região. A proximidade com o tio Carlos seria decisiva na opção de Chagas em seguir a profissão médica.


Primeiros estudos

Aos oito anos, já alfabetizado, Carlos Chagas foi matriculado no Colégio de São Luís, internato dirigido por jesuítas em Itu, interior do estado de São Paulo. No entanto, em maio de 1888, ao receber notícias de que os escravos recém-libertados estariam depredando fazendas, foge do colégio para ir ao encontro de sua mãe em Águas Limpas. O ato de indisciplina foi punido pelos padres jesuítas com sua expulsão do colégio.

Chagas, então, foi estudar no Colégio São Francisco, fundado pelo padre João Batista do Sacramento em São João del Rey, Minas Gerais. Padre Sacramento foi uma figura muito marcante na formação de Carlos. Os conhecimentos que o mestre tinha de história natural, botânica e zoologia, e o entusiasmo com que lecionava sobre tais assuntos, estimularam o interesse de Chagas pela ciência.

Concluído o curso no Colégio São Francisco, ingressa na Escola de Minas de Ouro Preto. Onde, por insistência de sua mãe, Carlos seguiria a carreira de esgenheiro. Após um fracasso em seus exames, Chagas volta pra casa adoentado.

O período de recuperação em sua cidade natal é marcado pelo convívio com seu tio Carlos, que aguça em Chagas o desejo de ser médico. O tio decide ajudá-lo a convencer a mãe, que acaba finalmente aceitando sua opção pela medicina. Vencida a barreira em casa, o futuro médico parte para o Rio de Janeiro e matricula-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.


O curso de medicina

O Rio de Janeiro nas últimas décadas do século XIX era uma cidade marcada por precárias condições sanitárias. As freqüentes epidemias - sobretudo de febre amarela - que assolavam o porto representavam uma ameaça ao processo de modernização que vinha se intensificando com a expansão da cafeicultura desde meados do século.

É nesse contexto de caos que se dá a difusão, no Brasil, das idéias de Louis Pasteur. Fundador da microbiologia, ciência que estabeleceu uma maneira radicalmente nova de se conceber a natureza das doenças e seus mecanismos de propagação, influenciou a "revolução pasteuriana" na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Portanto, desde a década de 1880, por um processo de renovação havia tomado a instituição de ensino superior. Davam-se os primeiros passos para a incorporação do ensino da medicina experimental, definida pela prática da pesquisa científica no laboratório em busca de novos conhecimentos no campo do saber médico.

Ao longo do curso, dois professores marcam de maneira decisiva sua formação. Miguel Couto, com quem passaria a ter uma estreita amizade, apresenta a Chagas as noções e a prática da clínica moderna, que, acompanhando os avanços científicos da medicina experimental, passava por um processo de especialização e buscava novas formas de explicação para as causas das doenças. Francisco Fajardo, por sua vez, introduziu Chagas no estudo experimental das doenças tropicais, especialmente da malária, proporcionando-lhe um treinamento na pesquisa laboratorial que seria de grande importância para sua tese de doutoramento e para sua futura carreira. Estes mestres representaram, assim, os dois caminhos que se abriram para Chagas com a "revolução pasteuriana": a clínica e a pesquisa científica.


A tese de doutoramento
Com o objetivo de elaborar sua tese de doutoramento, pré-requisito à qualificação para o exercício da medicina, Chagas dirige-se em 1902 ao Instituto Soroterápico Federal, na fazenda de Manguinhos, levando uma carta de apresentação de seu professor, Miguel Couto, a Oswaldo Cruz, diretor técnico do Instituto. Dá-se assim o primeiro contato com aquele que seria seu grande mestre e com a instituição à qual estaria intimamente ligado o percurso de sua vida profissional.

O Instituto de Manguinhos se consolidara como respeitado centro de medicina experimental, atraindo estudantes de medicina interessados, como Chagas, no estudo científico das doenças tropicais. Aceito por Oswaldo Cruz, que passa a ser seu orientador, Carlos elege como tema de seu trabalho o ciclo evolutivo do parasito da malária no sangue e passa então a freqüentar o Instituto diariamente.

Em março de 1903, defende sua tese de doutoramento, intitulada Estudos hematológicos no impaludismo, e em maio termina o curso na Faculdade de Medicina. Assim, ele assume sua clínica no centro do Rio e vai trabalhar, em março de 1904, no Hospital de Jurujuba, em Niterói, destinado ao isolamento das vítimas da peste. Ainda nesse ano, Chagas se casa, com Íris Lobo. Dessa união nasceriam Evandro Chagas, em 1905, e Carlos Chagas Filho, em 1910.


Campanhas contra a malária

Tendo em vista o trabalho realizado por Chagas em sua tese de doutoramento, Oswaldo Cruz o requisita, em março de 1905, para a missão de controlar a epidemia de malária que assolava o município de Itatinga, no estado de São Paulo. A doença atacava a maioria dos trabalhadores da Companhia Docas de Santos, que construíam uma represa na região, causando a paralisação das obras.

Entusiasmado pelo desafio, Chagas segue para Itatinga e lá realiza a primeira campanha bem-sucedida contra a malária no Brasil, introduzindo procedimentos que passariam a ser corriqueiros nas campanhas subseqüentes. Segundo ele, para se impedir a propagação da doença em regiões em que não havia ações sistemáticas de saneamento, fazia-se necessário concentrar as medidas preventivas nos locais onde viviam os homens e os mosquitos infectados com o parasito da malária. Seguindo essa idéia, em cinco meses Chagas consegue debelar o surto da doença. De volta ao Rio, continua a servir à Diretoria Geral de Saúde Pública e, em 19 de março de 1906, transfere-se para o Instituto de Manguinhos.

Diante do sucesso alcançado, ainda em 1907 Chagas é incumbido por Oswaldo Cruz de organizar o controle da malária no norte de Minas Gerais. A doença prejudicava seriamente as obras de prolongamento da Estrada de Ferro Central do Brasil na região do rio das Velhas, entre Corinto e Pirapora, comprometendo o projeto que pretendia unir o norte ao sul do país. Na cidade de Lassance, Chagas realiza a profilaxia da malária, mas, no decorrer do ano seguinte, seus trabalhos tomam um rumo inesperado.


Descoberta em Lassance

Em Lassance, sua atividade não se limitou à campanha contra a malária. Nas horas vagas, Chagas capturava, classificava e estudava os hábitos dos anofelinos, mosquitos transmissores desta doença, e examinava o sangue de animais e insetos em busca de parasitos. É dessa forma que Carlos identifica no sangue de um sagüi, uma nova espécie de protozoário, do gênero dos tripanossomos, ao qual dá o nome de Trypanosoma minasense. Na mesma época, o engenheiro responsável pelas obras da ferrovia, chama a atenção do pesquisador para a presença de um inseto que prolifera nas frestas das paredes de pau-a-pique das casas, alimentando-se à noite do sangue de seus moradores. Por atacar preferencialmente o rosto, era conhecido pela população local como "barbeiro".

Chagas leva alguns desses insetos a seu laboratório e, examinando-lhes o intestino, identifica a presença de protozoários com certas características que o levam a pensar que poderiam ser uma fase evolutiva do Trypanosoma minasense, recém-identificado por ele.

Por não dispor em seu alojamento de condições para uma pesquisa mais aprofundada, Chagas envia exemplares de barbeiros infectados com o parasito a Oswaldo Cruz, pedindo que alimente os insetos em sagüis criados nos laboratórios de Manguinhos. Quase um mês depois, Oswaldo Cruz comunica-lhe a presença de tripanossomos no sangue dos animais, que haviam adoecido. Chagas volta imediatamente ao Rio de Janeiro, onde constata não se tratar do Trypanosoma minasense, mas de outro tripanossomo até então desconhecido. Com o apoio de outros pesquisadores do Instituto, desvenda quase por completo o ciclo evolutivo do novo protozoário, ao qual dá o nome de Trypanosoma cruzi, em homenagem a Oswaldo Cruz.

Dados os seus conhecimentos sobre a forma domiciliária de transmissão da malária e o fato de que os barbeiros, portadores do T. cruzi, viviam no interior das habitações humanas, Chagas volta a Lassance convencido de que o parasito descoberto poderia ser causa de doença tanto para animais domésticos quanto para o homem. Após ter encontrado um gato infectado com o novo tripanossomo, no dia 14 de fevereiro de 1909 ele examina o sangue de uma criança febril de dois anos e identifica a presença do parasito. A menina Berenice é o primeiro caso da moléstia à qual se daria o nome de doença de Chagas, provocada pelo Trypanosoma cruzi que o barbeiro transmite ao organismo do homem.

Conclui-se assim o ciclo da descoberta, no qual foi identificado primeiro o vetor (barbeiro), em seguida o agente causal (T. cruzi), o reservatório doméstico do parasito (gato) e por fim a doença (o caso de Berenice), tudo por um único pesquisador. A descoberta realizada em Lassance consolidaria a protozoologia, ramo da parasitologia dedicado ao estudo dos protozoários, como uma das mais importantes áreas de pesquisa do Instituto Oswaldo Cruz.


Divulgação da descoberta
A doença descoberta por Chagas é levada ao conhecimento da comunidade científica por meio de uma nota prévia, datada de 15 de abril de 1909 e publicada na revista Brazil-Medico em sua edição de 22 de abril do mesmo ano. Nesse dia, a descoberta é formalmente anunciada por Oswaldo Cruz à Academia Nacional de Medicina, que decide nomear uma comissão para ir a Lassance verificar o trabalho realizado por Chagas. Na cidade mineira, uma vez confirmadas as provas relativas à descoberta, o presidente da comissão, Miguel Couto, propõe que a nova doença passe a se chamar "moléstia de Chagas". De fato, a doença se popularizaria com seu nome, mas o próprio Chagas, durante toda sua vida, se referiria a ela como tripanossomíase americana.

Em agosto de 1909, Chagas publica no primeiro volume da revista de Manguinhos, Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, um estudo completo sobre a tripanossomíase americana e o ciclo evolutivo do Trypanosoma cruzi. Esse trabalho e o prestígio crescente de Chagas garantem sua ascensão na hierarquia do Instituto, sendo promovido a "chefe de serviço" mediante a primeira colocação no concurso de títulos organizado por Oswaldo Cruz em março de 1910.

Em solenidade realizada em 26 de outubro deste ano, a Academia Nacional de Medicina reconhece formalmente a importância do trabalho de Chagas e o recebe como membro titular. Na ocasião, ele pronuncia sua primeira conferência sobre a tripanossomíase americana, apresentando projeções cinematográficas sobre os doentes em Lassance.

A descoberta da tripanossomíase americana tem, desde o início, grande repercussão na Europa, notadamente na Alemanha, de onde parte o reconhecimento do trabalho de Chagas no exterior. A exemplo disso, em 1912, o Instituto de Moléstias Tropicais de Hamburgo distingue Chagas com o Prêmio Schaudinn, conferido de quatro em quatro anos ao melhor trabalho na área de protozoologia.

A partir de então, Chagas viajaria inúmeras vezes pelo resto de sua vida para receber prêmios e dar aulas e conferências sobre sua descoberta. Em uma dessas viagens, em 1921, o pesquisador visitou os Estados Unidos, onde faz uma série de conferências e recebeu o título de doutor honoris causa da Universidade de Harvard, tornando-se o primeiro brasileiro a obtê-lo. A mesma distinção lhe seria concedida em 1926 pela Universidade de Paris.


Estudos de Chagas e seus colaboradores sobre a doença

Depois da comunicação da descoberta à Academia Nacional de Medicina, Lassance torna-se um posto permanente para o estudo desta e de outras endemias rurais. Em 1912, Oswaldo Cruz obtém junto ao governo federal verbas para mapear a distribuição geográfica da doença, equipar um pequeno hospital naquela estação ferroviária da cidade e iniciar, em Manguinhos, a construção de um hospital destinado a estudar os casos lá recolhidos.

O prosseguimento das pesquisas em Lassance e as investigações realizadas no Instituto Oswaldo Cruz permitem a Chagas desenvolver um estudo completo sobre os aspectos essenciais da nova tripanossomíase.

Chagas e seus colaboradores identificam as diversas modalidades clínicas da doença, separando-as entre as fases aguda e crônica, descrevem minuciosamente a morfologia e o ciclo evolutivo do agente causal (T. cruzi) no inseto transmissor e no hospedeiro vertebrado e estudam a biologia das várias espécies de barbeiros transmissores. Realizam investigações experimentais, produzem estudos sobre a patogenia (processo de evolução da doença) e a anatomia patológica (estudo das lesões provocadas pela doença por meio de necrópsias), desenvolvem métodos de diagnóstico, analisam o papel dos reservatórios domiciliares e silvestres do T. cruzi e apontam a relevância da doença como flagelo que impedia o desenvolvimento físico e social das populações rurais do país.


A expedição científica à Amazônia
Na década de 1910, o Instituto Oswaldo Cruz promove várias viagens científicas ao interior do país com o objetivo de investigar os problemas médico-sanitários dos "sertões" brasileiros.

Em agosto de 1912, em função da crise do extrativismo da borracha amazônica, o governo federal firma um contrato com Oswaldo Cruz para o estudo das condições de salubridade dos vales dos grande afluentes do rio Amazonas, tendo em vista a elaboração de um plano que permitisse a exploração racional de seus recursos. Assim, entre outubro de 1912 e março de 1913, Carlos Chagas percorre os rios Solimões, Purus e Negro e seus principais afluentes, acompanhado de dois outros cientistas e um fotógrafo.

Visitando seringais e povoados ribeirinhos, a comissão examina as condições de vida da população, analisando diversos fatores sociais. Além disso, realiza observações clínicas sobre as diversas doenças incidentes, sobretudo a malária, que atingia com grande gravidade a maior parte dos habitantes. Levanta também informações sobre as principais epidemias ocorridas na região, registra as práticas medicinais utilizadas, captura insetos suspeitos de transmitirem doenças e colhe plantas com possível valor medicinal. No laboratório improvisado a bordo da pequena embarcação que lhe servia de transporte, Chagas examina peixes e outros animais em busca de parasitos e observa ao microscópio amostras e materiais colhidos junto à população.

Em outubro de 1913, Chagas expõe os resultados da expedição na Conferência Nacional da Borracha, realizada no Senado Federal, no Rio de Janeiro. Sua conferência, bem como o relatório apresentado por Oswaldo Cruz ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, oferecem um amplo inventário da situação de abandono médico e social em que viviam as populações da Amazônia, enfatizando a necessidade de medidas sanitárias como instrumento fundamental para viabilizar o desenvolvimento econômico da região.


Ampliando as atividades de Manguinhos

Em 14 de fevereiro de 1917, três dias após a morte de Oswaldo Cruz, Chagas é nomeado, por decreto presidencial, para o cargo de diretor de Manguinhos. Durante sua gestão, que se estenderia até seu falecimento em 1934, o Instituto passa por reestruturações internas e ganha novas atribuições. Busca-se consolidar o modelo estabelecido por Oswaldo Cruz à semelhança do Instituto Pasteur, cujas características fundamentais eram a autonomia administrativa e financeira e a estreita articulação entre a pesquisa, o ensino e a fabricação de produtos destinados à medicina humana e à veterinária, visando atender aos serviços de saúde pública do país.

No campo da pesquisa, a administração de Chagas privilegia a investigação das causas e dos aspectos epidemiológicos e clínicos das endemias rurais. Com esse objetivo, em 1918 foi concluída a construção, em Manguinhos, do Hospital Oswaldo Cruz. Além de prestar assistência médica à população, esse hospital - que em 1942 receberia o nome de seu diretor, Evandro Chagas - constitui um importante centro de estudos para os pesquisadores do Instituto.

Também no âmbito da pesquisa Chagas foi responsável pela criação de seções científicas, definidas por áreas de conhecimento e com as quais pretendia estabelecer uma divisão de trabalho mais nítida no Instituto. São assim instaladas as seções de Química Aplicada, Micologia, Bacteriologia e Imunidade, Zoologia Médica, Anatomia Patológica, Protozoologia e Fisiologia.

No que se refere ao ensino, Chagas amplia o programa dos Cursos de Aplicação do Instituto, oferecidos desde 1908 como especialização nas áreas de microbiologia e zoologia médica, visando à formação de pesquisadores no campo da medicina experimental.

Quanto à área de produção, Chagas diversifica a pauta de medicamentos e produtos biológicos fabricados em Manguinhos, entre eles alguns desenvolvidos pelos próprios pesquisadores, e estimula a comercialização destes produtos, ampliando assim a renda própria do Instituto que, desde o período da direção de Oswaldo Cruz, era fundamental ao seu funcionamento. Dentre tais produtos, destacava-se a vacina da "manqueira", desenvolvida por Alcides Godoy em 1908 para combater o carbúnculo sintomático, doença que atacava o rebanho bovino no Brasil e em vários países sul-americanos.

Uma medida fundamental para a expansão da área de produção do Instituto foi a criação, em 1918, do Serviço de Medicamentos Oficiais, destinado a preparar e distribuir a quinina - principal produto utilizado na profilaxia e tratamento da malária - e outros medicamentos. A partir de 1920, o Instituto assume também a responsabilidade pelo controle da qualidade dos produtos utilizados na medicina humana no país, tanto os fabricados por laboratórios nacionais quanto os importados. Outra iniciativa relevante relacionada a essa área é a incorporação à Manguinhos, em 1920, do Instituto Vacinogênico Municipal, responsável pela fabricação da vacina antivariólica.

Contudo, a expansão das atividades de pesquisa e produção de Manguinhos foi dificultada, no decorrer dos anos 20, por um acúmulo de problemas financeiros. Ao aumento progressivo das despesas correntes da instituição vêm somar-se as crescentes limitações orçamentárias, agravadas pelos efeitos generalizados da crise econômica de 1929. Prejudicando a manutenção e o aperfeiçoamento das instalações físicas e comprometendo os salários dos pesquisadores, tais problemas passam a afetar a qualidade da produção científica de Manguinhos.

Esse quadro de dificuldades se agrava a partir de 1930, quando, pondo fim à estrutura descentralizada da República Velha, o governo chefiado por Getúlio Vargas intensifica a intervenção do Estado na sociedade. A nova orientação da administração pública brasileira traz conseqüências diretas a estrutura e o funcionamento de Manguinhos, que, sob a denominação de Departamento de Medicina Experimental, passa à jurisdição do recém-criado Ministério da Educação e Saúde.


Combate à epidemia de gripe espanhola
O despreparo dos poderes públicos para enfrentar os problemas de saúde pública do país - há tempos denunciado por médicos-higienistas - revela-se por completo nos últimos meses de 1918, quando o Brasil é assolado pela mais violenta de todas as epidemias que já conheceu: a gripe espanhola. A patologia chegou ao Brasil a bordo do navio S. S. Demerara, que aportou no Recife vindo da África. Rapidamente a doença espalhou-se pelo país, caracterizando uma epidemia.

Na capital, o grande contingente humano aliado às precárias condições de saneamento e assistência médica potencializaram os efeitos da doença. De acordo com dados oficiais, seiscentas mil pessoas (dois terços da população) foram atingidas pela gripe e mais de onze mil óbitos foram contabilizados.

Para enfrentar a gravidade da situação no Distrito Federal, Carlos Chagas assumiu, a convite do presidente da República, Venceslau Brás, a organização de um serviço especial de criação de postos de atendimento à população. O cientista, então, providenciou a instalação de cinco hospitais emergenciais e de vinte e sete postos de consulta em diferentes pontos da cidade, além de buscar a colaboração de seus colegas de profissão. Por meio da publicação de anúncios nos principais jornais da cidade, conseguiou a adesão da grande maioria dos clínicos cariocas e de vários membros da Academia Nacional de Medicina. Contou também com a contribuição de seus companheiros de Manguinhos, que tentaram, arduamente, solucionar o problema realizando pesquisas sobre as possíveis causas da infecção.

Até o desaparecimento da epidemia em meados de novembro, Chagas dedicou-se integralmente à tarefa que lhe foi confiada. Sua incansável atuação na luta contra a gripe espanhola, combatendo-a no que fora possível, pesou decisivamente na escolha de seu nome para dirigir a reforma dos serviços de saúde pública do país a partir de 1919.


Na direção do Departamento Nacional de Saúde Pública

A campanha pelo saneamento do Brasil, promovida por intelectuais e médicos-higienistas na década de 10, conferiu aos problemas de saúde pública, sobretudo às endemias rurais, um lugar de destaque no debate político nacional. Ao tomar posse na presidência da República, em julho de 1919, Epitácio Pessoa declara que a reorganização dos serviços sanitários do país é uma prioridade nacional.

Para comandá-la, através da Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP), em outubro seguinte o presidente nomeia Carlos Chagas.


Pautado no princípio da centralização administrativa, o Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), fundado em janeiro de 1920, pretende ampliar o poder de intervenção e regulação da União no campo da saúde pública. Tal orientação rompe com o modelo descentralizado vigente até então, segundo o qual os estados e municípios gozavam de autonomia quanto à organização dos serviços sanitários.

A interiorização das políticas de saúde pública visando o combate às endemias rurais - sobretudo à malária, à ancilostomose e à tripanossomíase americana - constituiu uma das principais metas do DNSP e, para viabilizá-la, foram estabelecidos acordos com estados e municípios. Em paralelo, regulamentou-se um conjunto minucioso de medidas referentes à higiene urbana.

Em sua gestão no DNSP, Carlos Chagas adota medidas destinadas à formação de quadros profissionais especializados na área da saúde pública. Em 1923, criou a Escola de Enfermagem Anna Nery, que, além de introduzir o ensino da enfermagem no Brasil estabelece um sistema profissionalizado de enfermagem hospitalar. Esse sistema é exercido no Hospital São Francisco de Assis, criado pouco antes por Chagas para servir de modelo à modernização dos serviços hospitalares do país.

Ainda em 1925, foi criado, no Rio de Janeiro, o primeiro curso de higiene e saúde pública do Brasil, que garantia aos aprovados a nomeação para cargos nos serviços sanitários federais.

Outro aspecto relevante da atuação de Chagas como diretor da saúde pública é a sua participação como representante brasileiro nas reuniões anuais do Comitê de Higiene da Liga das Nações, associação que, sediada em Genebra, daria origem à atual Organização Mundial da Saúde.

Chagas permaneceu à frente do DNSP até o final do governo de Arthur Bernardes, em novembro de 1926 e, ao longo de sua gestão, as atividades do órgão asseguram a efetiva expansão do papel do Estado na área da saúde pública. A estrutura desse órgão seria, em grande parte, transferida ao Departamento Nacional de Saúde, do Ministério da Educação e Saúde, criado pelo novo regime político instaurado com a Revolução de 1930.

Chagas e o ensino médico

Durante toda sua vida, Carlos Chagas defendeu uma concepção de ciência médica pautada em dois princípios fundamentais. O primeiro diz respeito à necessidade de uma estreita articulação entre o ensino e a pesquisa científica. Segundo ele, o aprendizado da medicina não deveria se restringir à formação clínica voltada para o atendimento ao doente e sim contemplar também o estudo e a prática dos conhecimentos e métodos da ciência experimental. Isso contribuiria diretamente para a compreensão, o tratamento e a prevenção adequados não só das doenças mais comuns nos consultórios, mas sobretudo daquelas que, de natureza endêmica, se estendiam por todo o território nacional.

Por outro lado, Chagas proclamava a importância de se introduzir nos programas dos cursos de medicina o estudo específico das doenças tropicais, declarando-o fundamental para o conhecimento e o combate dos problemas sanitários peculiares ao Brasil, e aos demais países tropicais, como a malária, a tripanossomíase americana e a ancilostomose.

A reforma do ensino promovida em 1925 pelo Ministério da Justiça e Negócios Interiores permite a Chagas pôr em prática tais objetivos, com a criação da especialização em higiene e saúde pública e a introdução da cadeira de Medicina Tropical no ensino médico, propiciando a formação de profissionais tecnicamente especializados e qualificados para tratar dos problemas de saúde pública brasileiros.


Fonte: Biblioteca Virtual em Saúde Adolpho Lutz
(http://www.bvsalutz.coc.fiocruz.br/html/pt/home.html)

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