Infância no interior de Minas Gerais
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Carlos Ribeiro Justiniano Chagas
nasceu no dia 9 de julho de 1878 na Fazenda Bom Retiro,
localizada à cerca de 20 km de Oliveira, em Minas
Gerais. |
Primeiro dos quatro filhos de José Justiniano Chagas e Mariana
Cândida Ribeiro de Castro Chagas, nasceu onde haviam se
enraizado seus antepassados há quase um século e meio, todos
de origem portuguesa.
Órfão de pai desde os quatro anos, Chagas passou a viver
parte do ano na Fazenda Bela Vista, outra propriedade da
família, onde sua mãe assumiu a administração do cultivo
do café. A fazenda situava-se na estação de Águas Limpas,
próximo a Juiz de Fora, Minas Gerais.
Em Oliveira, a convivência com seus três tios maternos,
Cícero, Olegário e Carlos, marca profundamente a infância
de Chagas. Os dois primeiros eram advogados formados em
São Paulo e estimulavam constantemente o sobrinho a dedicar-se
aos estudos. O terceiro, Carlos, que se formara em medicina
no Rio de Janeiro, era dono de uma clínica em Oliveira para
onde acorriam todos os doentes da região. A proximidade
com o tio Carlos seria decisiva na opção de Chagas em seguir
a profissão médica.
Primeiros estudos
Aos oito anos, já alfabetizado, Carlos Chagas foi matriculado
no Colégio de São Luís, internato dirigido por jesuítas
em Itu, interior do estado de São Paulo. No entanto, em
maio de 1888, ao receber notícias de que os escravos recém-libertados
estariam depredando fazendas, foge do colégio para ir ao
encontro de sua mãe em Águas Limpas. O ato de indisciplina
foi punido pelos padres jesuítas com sua expulsão do colégio.
Chagas, então, foi estudar no Colégio São Francisco, fundado
pelo padre João Batista do Sacramento em São João del Rey,
Minas Gerais. Padre Sacramento foi uma figura muito marcante
na formação de Carlos. Os conhecimentos que o mestre tinha
de história natural, botânica e zoologia, e o entusiasmo
com que lecionava sobre tais assuntos, estimularam o interesse
de Chagas pela ciência.
Concluído o curso no Colégio São Francisco, ingressa na
Escola de Minas de Ouro Preto. Onde, por insistência de
sua mãe, Carlos seguiria a carreira de esgenheiro. Após
um fracasso em seus exames, Chagas volta pra casa adoentado.
O período de recuperação em sua cidade natal é marcado pelo
convívio com seu tio Carlos, que aguça em Chagas o desejo
de ser médico. O tio decide ajudá-lo a convencer a mãe,
que acaba finalmente aceitando sua opção pela medicina.
Vencida a barreira em casa, o futuro médico parte para o
Rio de Janeiro e matricula-se na Faculdade de Medicina do
Rio de Janeiro.
O curso de medicina
O Rio de Janeiro nas últimas décadas do século XIX era uma
cidade marcada por precárias condições sanitárias. As freqüentes
epidemias - sobretudo de febre amarela - que assolavam o
porto representavam uma ameaça ao processo de modernização
que vinha se intensificando com a expansão da cafeicultura
desde meados do século.
É nesse contexto de caos que se dá a difusão, no Brasil,
das idéias de Louis Pasteur. Fundador da microbiologia,
ciência que estabeleceu uma maneira radicalmente nova de
se conceber a natureza das doenças e seus mecanismos de
propagação, influenciou a "revolução pasteuriana" na Faculdade
de Medicina do Rio de Janeiro. Portanto, desde a década
de 1880, por um processo de renovação havia tomado a instituição
de ensino superior. Davam-se os primeiros passos para a
incorporação do ensino da medicina experimental, definida
pela prática da pesquisa científica no laboratório em busca
de novos conhecimentos no campo do saber médico.
Ao longo do curso, dois professores marcam de maneira decisiva
sua formação. Miguel Couto, com quem passaria a ter uma
estreita amizade, apresenta a Chagas as noções e a prática
da clínica moderna, que, acompanhando os avanços científicos
da medicina experimental, passava por um processo de especialização
e buscava novas formas de explicação para as causas das
doenças. Francisco Fajardo, por sua vez, introduziu Chagas
no estudo experimental das doenças tropicais, especialmente
da malária, proporcionando-lhe um treinamento na pesquisa
laboratorial que seria de grande importância para sua tese
de doutoramento e para sua futura carreira. Estes mestres
representaram, assim, os dois caminhos que se abriram para
Chagas com a "revolução pasteuriana": a clínica e a pesquisa
científica.
A tese de doutoramento
Com o objetivo de elaborar sua tese de doutoramento, pré-requisito
à qualificação para o exercício da medicina, Chagas dirige-se
em 1902 ao Instituto Soroterápico Federal, na fazenda de
Manguinhos, levando uma carta de apresentação de seu professor,
Miguel Couto, a Oswaldo Cruz, diretor técnico do Instituto.
Dá-se assim o primeiro contato com aquele que seria seu
grande mestre e com a instituição à qual estaria intimamente
ligado o percurso de sua vida profissional.
O Instituto de Manguinhos se consolidara como respeitado
centro de medicina experimental, atraindo estudantes de
medicina interessados, como Chagas, no estudo científico
das doenças tropicais. Aceito por Oswaldo Cruz, que passa
a ser seu orientador, Carlos elege como tema de seu trabalho
o ciclo evolutivo do parasito da malária no sangue e passa
então a freqüentar o Instituto diariamente.
Em março de 1903, defende sua tese de doutoramento, intitulada
Estudos hematológicos no impaludismo, e em maio termina
o curso na Faculdade de Medicina. Assim, ele assume sua
clínica no centro do Rio e vai trabalhar, em março de 1904,
no Hospital de Jurujuba, em Niterói, destinado ao isolamento
das vítimas da peste. Ainda nesse ano, Chagas se casa, com
Íris Lobo. Dessa união nasceriam Evandro Chagas, em 1905,
e Carlos Chagas Filho, em 1910.
Campanhas contra a malária
Tendo em vista o trabalho realizado por Chagas em sua tese
de doutoramento, Oswaldo Cruz o requisita, em março de 1905,
para a missão de controlar a epidemia de malária que assolava
o município de Itatinga, no estado de São Paulo. A doença
atacava a maioria dos trabalhadores da Companhia Docas de
Santos, que construíam uma represa na região, causando a
paralisação das obras.
Entusiasmado pelo desafio, Chagas segue para Itatinga e
lá realiza a primeira campanha bem-sucedida contra a malária
no Brasil, introduzindo procedimentos que passariam a ser
corriqueiros nas campanhas subseqüentes. Segundo ele, para
se impedir a propagação da doença em regiões em que não
havia ações sistemáticas de saneamento, fazia-se necessário
concentrar as medidas preventivas nos locais onde viviam
os homens e os mosquitos infectados com o parasito da malária.
Seguindo essa idéia, em cinco meses Chagas consegue debelar
o surto da doença. De volta ao Rio, continua a servir à
Diretoria Geral de Saúde Pública e, em 19 de março de 1906,
transfere-se para o Instituto de Manguinhos.
Diante do sucesso alcançado, ainda em 1907 Chagas é incumbido
por Oswaldo Cruz de organizar o controle da malária no norte
de Minas Gerais. A doença prejudicava seriamente as obras
de prolongamento da Estrada de Ferro Central do Brasil na
região do rio das Velhas, entre Corinto e Pirapora, comprometendo
o projeto que pretendia unir o norte ao sul do país. Na
cidade de Lassance, Chagas realiza a profilaxia da malária,
mas, no decorrer do ano seguinte, seus trabalhos tomam um
rumo inesperado.
Descoberta em Lassance
Em Lassance, sua atividade não se limitou à campanha contra
a malária. Nas horas vagas, Chagas capturava, classificava
e estudava os hábitos dos anofelinos, mosquitos transmissores
desta doença, e examinava o sangue de animais e insetos
em busca de parasitos. É dessa forma que Carlos identifica
no sangue de um sagüi, uma nova espécie de protozoário,
do gênero dos tripanossomos, ao qual dá o nome de
Trypanosoma
minasense. Na mesma época, o engenheiro responsável
pelas obras da ferrovia, chama a atenção do pesquisador
para a presença de um inseto que prolifera nas frestas das
paredes de pau-a-pique das casas, alimentando-se à noite
do sangue de seus moradores. Por atacar preferencialmente
o rosto, era conhecido pela população local como "barbeiro".
Chagas leva alguns desses insetos a seu laboratório e, examinando-lhes
o intestino, identifica a presença de protozoários com certas
características que o levam a pensar que poderiam ser uma
fase evolutiva do
Trypanosoma minasense, recém-identificado
por ele.
Por não dispor em seu alojamento de condições para uma pesquisa
mais aprofundada, Chagas envia exemplares de barbeiros infectados
com o parasito a Oswaldo Cruz, pedindo que alimente os insetos
em sagüis criados nos laboratórios de Manguinhos. Quase
um mês depois, Oswaldo Cruz comunica-lhe a presença de tripanossomos
no sangue dos animais, que haviam adoecido. Chagas volta
imediatamente ao Rio de Janeiro, onde constata não se tratar
do
Trypanosoma minasense, mas de outro tripanossomo
até então desconhecido. Com o apoio de outros pesquisadores
do Instituto, desvenda quase por completo o ciclo evolutivo
do novo protozoário, ao qual dá o nome de
Trypanosoma
cruzi, em homenagem a Oswaldo Cruz.
Dados os seus conhecimentos sobre a forma domiciliária de
transmissão da malária e o fato de que os barbeiros, portadores
do
T. cruzi, viviam no interior das habitações humanas,
Chagas volta a Lassance convencido de que o parasito descoberto
poderia ser causa de doença tanto para animais domésticos
quanto para o homem. Após ter encontrado um gato infectado
com o novo tripanossomo, no dia 14 de fevereiro de 1909
ele examina o sangue de uma criança febril de dois anos
e identifica a presença do parasito. A menina Berenice é
o primeiro caso da moléstia à qual se daria o nome de doença
de Chagas, provocada pelo
Trypanosoma cruzi que o
barbeiro transmite ao organismo do homem.
Conclui-se assim o ciclo da descoberta, no qual foi identificado
primeiro o vetor (barbeiro), em seguida o agente causal
(
T. cruzi), o reservatório doméstico do parasito
(gato) e por fim a doença (o caso de Berenice), tudo por
um único pesquisador. A descoberta realizada em Lassance
consolidaria a protozoologia, ramo da parasitologia dedicado
ao estudo dos protozoários, como uma das mais importantes
áreas de pesquisa do Instituto Oswaldo Cruz.
Divulgação da descoberta
A doença descoberta por Chagas é levada ao conhecimento
da comunidade científica por meio de uma nota prévia, datada
de 15 de abril de 1909 e publicada na revista
Brazil-Medico
em sua edição de 22 de abril do mesmo ano. Nesse dia, a
descoberta é formalmente anunciada por Oswaldo Cruz à Academia
Nacional de Medicina, que decide nomear uma comissão para
ir a Lassance verificar o trabalho realizado por Chagas.
Na cidade mineira, uma vez confirmadas as provas relativas
à descoberta, o presidente da comissão, Miguel Couto, propõe
que a nova doença passe a se chamar "moléstia de Chagas".
De fato, a doença se popularizaria com seu nome, mas o próprio
Chagas, durante toda sua vida, se referiria a ela como tripanossomíase
americana.
Em agosto de 1909, Chagas publica no primeiro volume da
revista de Manguinhos,
Memórias do Instituto Oswaldo
Cruz, um estudo completo sobre a tripanossomíase americana
e o ciclo evolutivo do
Trypanosoma cruzi. Esse trabalho
e o prestígio crescente de Chagas garantem sua ascensão
na hierarquia do Instituto, sendo promovido a "chefe de
serviço" mediante a primeira colocação no concurso de títulos
organizado por Oswaldo Cruz em março de 1910.
Em solenidade realizada em 26 de outubro deste ano, a Academia
Nacional de Medicina reconhece formalmente a importância
do trabalho de Chagas e o recebe como membro titular. Na
ocasião, ele pronuncia sua primeira conferência sobre a
tripanossomíase americana, apresentando projeções cinematográficas
sobre os doentes em Lassance.
A descoberta da tripanossomíase americana tem, desde o início,
grande repercussão na Europa, notadamente na Alemanha, de
onde parte o reconhecimento do trabalho de Chagas no exterior.
A exemplo disso, em 1912, o Instituto de Moléstias Tropicais
de Hamburgo distingue Chagas com o Prêmio Schaudinn, conferido
de quatro em quatro anos ao melhor trabalho na área de protozoologia.
A partir de então, Chagas viajaria inúmeras vezes pelo resto
de sua vida para receber prêmios e dar aulas e conferências
sobre sua descoberta. Em uma dessas viagens, em 1921, o
pesquisador visitou os Estados Unidos, onde faz uma série
de conferências e recebeu o título de doutor honoris causa
da Universidade de Harvard, tornando-se o primeiro brasileiro
a obtê-lo. A mesma distinção lhe seria concedida em 1926
pela Universidade de Paris.
Estudos de Chagas e seus colaboradores sobre a doença
Depois da comunicação da descoberta à Academia Nacional
de Medicina, Lassance torna-se um posto permanente para
o estudo desta e de outras endemias rurais. Em 1912, Oswaldo
Cruz obtém junto ao governo federal verbas para mapear a
distribuição geográfica da doença, equipar um pequeno hospital
naquela estação ferroviária da cidade e iniciar, em Manguinhos,
a construção de um hospital destinado a estudar os casos
lá recolhidos.
O prosseguimento das pesquisas em Lassance e as investigações
realizadas no Instituto Oswaldo Cruz permitem a Chagas desenvolver
um estudo completo sobre os aspectos essenciais da nova
tripanossomíase.
Chagas e seus colaboradores identificam as diversas modalidades
clínicas da doença, separando-as entre as fases aguda e
crônica, descrevem minuciosamente a morfologia e o ciclo
evolutivo do agente causal (T. cruzi) no inseto transmissor
e no hospedeiro vertebrado e estudam a biologia das várias
espécies de barbeiros transmissores. Realizam investigações
experimentais, produzem estudos sobre a patogenia (processo
de evolução da doença) e a anatomia patológica (estudo das
lesões provocadas pela doença por meio de necrópsias), desenvolvem
métodos de diagnóstico, analisam o papel dos reservatórios
domiciliares e silvestres do T. cruzi e apontam a relevância
da doença como flagelo que impedia o desenvolvimento físico
e social das populações rurais do país.
A expedição científica à Amazônia
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Na década de 1910, o
Instituto Oswaldo Cruz promove várias viagens científicas
ao interior do país com o objetivo de investigar os
problemas médico-sanitários dos "sertões" brasileiros.
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Em agosto de 1912, em função da crise do extrativismo da
borracha amazônica, o governo federal firma um contrato
com Oswaldo Cruz para o estudo das condições de salubridade
dos vales dos grande afluentes do rio Amazonas, tendo em
vista a elaboração de um plano que permitisse a exploração
racional de seus recursos. Assim, entre outubro de 1912
e março de 1913, Carlos Chagas percorre os rios Solimões,
Purus e Negro e seus principais afluentes, acompanhado de
dois outros cientistas e um fotógrafo.
Visitando seringais e povoados ribeirinhos, a comissão examina
as condições de vida da população, analisando diversos fatores
sociais. Além disso, realiza observações clínicas sobre
as diversas doenças incidentes, sobretudo a malária, que
atingia com grande gravidade a maior parte dos habitantes.
Levanta também informações sobre as principais epidemias
ocorridas na região, registra as práticas medicinais utilizadas,
captura insetos suspeitos de transmitirem doenças e colhe
plantas com possível valor medicinal. No laboratório improvisado
a bordo da pequena embarcação que lhe servia de transporte,
Chagas examina peixes e outros animais em busca de parasitos
e observa ao microscópio amostras e materiais colhidos junto
à população.
Em outubro de 1913, Chagas expõe os resultados da expedição
na Conferência Nacional da Borracha, realizada no Senado
Federal, no Rio de Janeiro. Sua conferência, bem como o
relatório apresentado por Oswaldo Cruz ao Ministério da
Agricultura, Indústria e Comércio, oferecem um amplo inventário
da situação de abandono médico e social em que viviam as
populações da Amazônia, enfatizando a necessidade de medidas
sanitárias como instrumento fundamental para viabilizar
o desenvolvimento econômico da região.
Ampliando as atividades de Manguinhos
Em 14 de fevereiro de 1917, três dias após a morte de Oswaldo
Cruz, Chagas é nomeado, por decreto presidencial, para o
cargo de diretor de Manguinhos. Durante sua gestão, que
se estenderia até seu falecimento em 1934, o Instituto passa
por reestruturações internas e ganha novas atribuições.
Busca-se consolidar o modelo estabelecido por Oswaldo Cruz
à semelhança do Instituto Pasteur, cujas características
fundamentais eram a autonomia administrativa e financeira
e a estreita articulação entre a pesquisa, o ensino e a
fabricação de produtos destinados à medicina humana e à
veterinária, visando atender aos serviços de saúde pública
do país.
No campo da pesquisa, a administração de Chagas privilegia
a investigação das causas e dos aspectos epidemiológicos
e clínicos das endemias rurais. Com esse objetivo, em 1918
foi concluída a construção, em Manguinhos, do Hospital Oswaldo
Cruz. Além de prestar assistência médica à população, esse
hospital - que em 1942 receberia o nome de seu diretor,
Evandro Chagas - constitui um importante centro de estudos
para os pesquisadores do Instituto.
Também no âmbito da pesquisa Chagas foi responsável pela
criação de seções científicas, definidas por áreas de conhecimento
e com as quais pretendia estabelecer uma divisão de trabalho
mais nítida no Instituto. São assim instaladas as seções
de Química Aplicada, Micologia, Bacteriologia e Imunidade,
Zoologia Médica, Anatomia Patológica, Protozoologia e Fisiologia.
No que se refere ao ensino, Chagas amplia o programa dos
Cursos de Aplicação do Instituto, oferecidos desde 1908
como especialização nas áreas de microbiologia e zoologia
médica, visando à formação de pesquisadores no campo da
medicina experimental.
Quanto à área de produção, Chagas diversifica a pauta de
medicamentos e produtos biológicos fabricados em Manguinhos,
entre eles alguns desenvolvidos pelos próprios pesquisadores,
e estimula a comercialização destes produtos, ampliando
assim a renda própria do Instituto que, desde o período
da direção de Oswaldo Cruz, era fundamental ao seu funcionamento.
Dentre tais produtos, destacava-se a vacina da "manqueira",
desenvolvida por Alcides Godoy em 1908 para combater o carbúnculo
sintomático, doença que atacava o rebanho bovino no Brasil
e em vários países sul-americanos.
Uma medida fundamental para a expansão da área de produção
do Instituto foi a criação, em 1918, do Serviço de Medicamentos
Oficiais, destinado a preparar e distribuir a quinina -
principal produto utilizado na profilaxia e tratamento da
malária - e outros medicamentos. A partir de 1920, o Instituto
assume também a responsabilidade pelo controle da qualidade
dos produtos utilizados na medicina humana no país, tanto
os fabricados por laboratórios nacionais quanto os importados.
Outra iniciativa relevante relacionada a essa área é a incorporação
à Manguinhos, em 1920, do Instituto Vacinogênico Municipal,
responsável pela fabricação da vacina antivariólica.
Contudo, a expansão das atividades de pesquisa e produção
de Manguinhos foi dificultada, no decorrer dos anos 20,
por um acúmulo de problemas financeiros. Ao aumento progressivo
das despesas correntes da instituição vêm somar-se as crescentes
limitações orçamentárias, agravadas pelos efeitos generalizados
da crise econômica de 1929. Prejudicando a manutenção e
o aperfeiçoamento das instalações físicas e comprometendo
os salários dos pesquisadores, tais problemas passam a afetar
a qualidade da produção científica de Manguinhos.
Esse quadro de dificuldades se agrava a partir de 1930,
quando, pondo fim à estrutura descentralizada da República
Velha, o governo chefiado por Getúlio Vargas intensifica
a intervenção do Estado na sociedade. A nova orientação
da administração pública brasileira traz conseqüências diretas
a estrutura e o funcionamento de Manguinhos, que, sob a
denominação de Departamento de Medicina Experimental, passa
à jurisdição do recém-criado Ministério da Educação e Saúde.
Combate à epidemia de gripe espanhola
O despreparo dos poderes públicos para enfrentar os
problemas de saúde pública do país - há tempos denunciado
por médicos-higienistas - revela-se por completo nos últimos
meses de 1918, quando o Brasil é assolado pela mais violenta
de todas as epidemias que já conheceu: a gripe espanhola.
A patologia chegou ao Brasil a bordo do navio S. S. Demerara,
que aportou no Recife vindo da África. Rapidamente a doença
espalhou-se pelo país, caracterizando uma epidemia.
Na capital, o grande contingente humano aliado às precárias
condições de saneamento e assistência médica potencializaram
os efeitos da doença. De acordo com dados oficiais, seiscentas
mil pessoas (dois terços da população) foram atingidas pela
gripe e mais de onze mil óbitos foram contabilizados.
Para enfrentar a gravidade da situação no Distrito Federal,
Carlos Chagas assumiu, a convite do presidente da República,
Venceslau Brás, a organização de um serviço especial de
criação de postos de atendimento à população. O cientista,
então, providenciou a instalação de cinco hospitais emergenciais
e de vinte e sete postos de consulta em diferentes pontos
da cidade, além de buscar a colaboração de seus colegas
de profissão. Por meio da publicação de anúncios nos principais
jornais da cidade, conseguiou a adesão da grande maioria
dos clínicos cariocas e de vários membros da Academia Nacional
de Medicina. Contou também com a contribuição de seus companheiros
de Manguinhos, que tentaram, arduamente, solucionar o problema
realizando pesquisas sobre as possíveis causas da infecção.
Até o desaparecimento da epidemia em meados de novembro,
Chagas dedicou-se integralmente à tarefa que lhe foi confiada.
Sua incansável atuação na luta contra a gripe espanhola,
combatendo-a no que fora possível, pesou decisivamente na
escolha de seu nome para dirigir a reforma dos serviços
de saúde pública do país a partir de 1919.
Na direção do Departamento Nacional de Saúde Pública
A campanha pelo saneamento do Brasil, promovida por intelectuais
e médicos-higienistas na década de 10, conferiu aos problemas
de saúde pública, sobretudo às endemias rurais, um lugar
de destaque no debate político nacional. Ao tomar posse
na presidência da República, em julho de 1919, Epitácio
Pessoa declara que a reorganização dos serviços sanitários
do país é uma prioridade nacional.
Para comandá-la, através da Diretoria
Geral de Saúde Pública (DGSP), em outubro seguinte
o presidente nomeia Carlos Chagas. |
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Pautado no princípio da centralização administrativa, o
Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), fundado em
janeiro de 1920, pretende ampliar o poder de intervenção
e regulação da União no campo da saúde pública. Tal orientação
rompe com o modelo descentralizado vigente até então, segundo
o qual os estados e municípios gozavam de autonomia quanto
à organização dos serviços sanitários.
A interiorização das políticas de saúde pública visando
o combate às endemias rurais - sobretudo à malária, à ancilostomose
e à tripanossomíase americana - constituiu uma das principais
metas do DNSP e, para viabilizá-la, foram estabelecidos
acordos com estados e municípios. Em paralelo, regulamentou-se
um conjunto minucioso de medidas referentes à higiene urbana.
Em sua gestão no DNSP, Carlos Chagas adota medidas destinadas
à formação de quadros profissionais especializados na área
da saúde pública. Em 1923, criou a Escola de Enfermagem
Anna Nery, que, além de introduzir o ensino da enfermagem
no Brasil estabelece um sistema profissionalizado de enfermagem
hospitalar. Esse sistema é exercido no Hospital São Francisco
de Assis, criado pouco antes por Chagas para servir de modelo
à modernização dos serviços hospitalares do país.
Ainda em 1925, foi criado, no Rio de Janeiro, o primeiro
curso de higiene e saúde pública do Brasil, que garantia
aos aprovados a nomeação para cargos nos serviços sanitários
federais.
Outro aspecto relevante da atuação de Chagas como diretor
da saúde pública é a sua participação como representante
brasileiro nas reuniões anuais do Comitê de Higiene da Liga
das Nações, associação que, sediada em Genebra, daria origem
à atual Organização Mundial da Saúde.
Chagas permaneceu à frente do DNSP até o final do governo
de Arthur Bernardes, em novembro de 1926 e, ao longo de
sua gestão, as atividades do órgão asseguram a efetiva expansão
do papel do Estado na área da saúde pública. A estrutura
desse órgão seria, em grande parte, transferida ao Departamento
Nacional de Saúde, do Ministério da Educação e Saúde, criado
pelo novo regime político instaurado com a Revolução de
1930.
Chagas e o ensino médico
Durante toda sua vida, Carlos Chagas defendeu uma concepção
de ciência médica pautada em dois princípios fundamentais.
O primeiro diz respeito à necessidade de uma estreita articulação
entre o ensino e a pesquisa científica. Segundo ele, o aprendizado
da medicina não deveria se restringir à formação clínica
voltada para o atendimento ao doente e sim contemplar também
o estudo e a prática dos conhecimentos e métodos da ciência
experimental. Isso contribuiria diretamente para a compreensão,
o tratamento e a prevenção adequados não só das doenças
mais comuns nos consultórios, mas sobretudo daquelas que,
de natureza endêmica, se estendiam por todo o território
nacional.
Por outro lado, Chagas proclamava a importância de se introduzir
nos programas dos cursos de medicina o estudo específico
das doenças tropicais, declarando-o fundamental para o conhecimento
e o combate dos problemas sanitários peculiares ao Brasil,
e aos demais países tropicais, como a malária, a tripanossomíase
americana e a ancilostomose.
A reforma do ensino promovida em 1925 pelo Ministério da
Justiça e Negócios Interiores permite a Chagas pôr em prática
tais objetivos, com a criação da especialização em higiene
e saúde pública e a introdução da cadeira de Medicina Tropical
no ensino médico, propiciando a formação de profissionais
tecnicamente especializados e qualificados para tratar dos
problemas de saúde pública brasileiros.
Fonte: Biblioteca Virtual em Saúde Adolpho Lutz
(http://www.bvsalutz.coc.fiocruz.br/html/pt/home.html)