Aos 15 anos, ingressou na Faculdade de Medicina e antes
de concluir o curso já publicara dois artigos sobre microbiologia
na revista Brasil Médico, demonstrando sua aptidão e interesse
pela área escolhida. Cinco anos mais tarde, em 1892, formou-se
Doutor em Medicina com a tese "A veiculação pelas águas".
Cruz embarcou em 1896 para o Instituto Pasteur de Paris,
que reunia os grandes nomes da ciência da época e onde foi
especializar-se em bacteriologia.
Ao regressar da Europa, Oswaldo Cruz encontrou o porto de
Santos assolado por violenta epidemia de peste bubônica
e logo se engajou no combate à doença. Para fabricar o soro
antipestoso, foi criado em 25 de maio de 1900, o Instituto
Soroterápico Federal, instalado na antiga Fazenda de Manguinhos.
Na direção geral o Barão de Pedro Affonso, e, na direção
técnica o jovem bacteriologista Oswaldo Cruz.
Em 1902, Cruz assumiu a direção geral do novo Instituto,
que ampliou suas atividades, dedicando-se também à pesquisa
básica e aplicada e à formação de recursos humanos. No ano
seguinte foi nomeado Diretor-Geral de Saúde Pública e utilizou
o Instituto como base de suas campanhas de saneamento. Em
pouco tempo conseguiu debelar a peste bubônica através do
extermínio dos ratos, cujas pulgas transmitiam a doença.
Já o combate à febre amarela apresentou diversos problemas.
Para a maior parte dos médicos e da população a doença era
transmitida pelo contato com as roupas, o suor, o sangue
e outras secreções de doentes. Oswaldo Cruz, porém, era
adepto da teoria que o transmissor da doença era um mosquito.
Tendo suas crenças como base, suspendeu as desinfecções,
cancelou o método tradicional, e criou a polícia sanitária
e as brigadas mata-mosquitos. Essas eram brigadas tinham
como objetivo percorrer as casas e ruas, eliminando os focos
de insetos e evitando as águas paradas, onde se desenvolviam
as larvas de mosquitos. Essa política de higiene urbana,
concomitante com a reforma da cidade, proposta pelas autoridades
governamentais da época geraram violenta reação popular,
principalmente na capital federal, na época, o Rio de Janeiro.
Em 1904, a oposição a Oswaldo Cruz atingiu o seu ápice.
Com o recrudescimento dos surtos de varíola, o sanitarista
tentou promover a vacinação em massa da população. Os jornais
lançaram violenta campanha contra a medida. O Congresso
protestou e foi organizada uma Liga contra a Vacinação Obrigatória.
No dia 13 de novembro estourou a rebelião popular, e no
dia 14, a Escola Militar da Praia Vermelha se levantou.
O Governo derrotou a rebelião, mas suspendeu a obrigatoriedade
da vacina. Contudo, Oswaldo Cruz acabou vencendo a batalha:
em 1907 a febre amarela estava erradicada do Rio de Janeiro.
Neste ano, o médico também recebeu a medalha de ouro no
XIV Congresso Internacional de Higiene e Demografia de Berlim.
Em 1909, deixou a Diretoria Geral de Saúde Pública e passou
a dedicar-se exclusivamente ao Instituto Oswaldo Cruz, que
agora levava seu nome, em homenagem a tudo que o cientista
havia realizado pela população.
Em 1913, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras.
Em 1915, por motivos de saúde, abandonou a direção do Instituto
Oswaldo Cruz e mudou-se para Petrópolis. Ainda foi eleito
Prefeito da cidade, cujo projeto político englobava um plano
de urbanização que não viu implantado, pois faleceu em fevereiro
de 1917, aos 44 anos, sofrendo de crises de insuficiência
renal.
A Trajetória da Peste
O final do século XIX viu ressurgir um flagelo que desde
épocas imemoriais assolava de tempos em tempos a humanidade.
A primeira verdadeira pandemia de peste, no século VI, atingiu
todo o mundo romano, causando centenas de milhares de mortos.
O grande ciclo do século XIV aniquilara um quarto da população
da Europa. Este terceiro grande ciclo, iniciado na província
chinesa de Yunnan com a rebelião muçulmana de 1855 e propagado
lentamente pelos deslocamentos dos refugiados, atingiu Cantão
e Hong Kong em maio de 1894. Os portos do sul da China passaram
a funcionar como centros de distribuição da peste, que tinha
agora entre suas áreas potenciais de expansão os portos
marítimos do Novo Mundo. É assim que, alcançando a América
do Sul pelo Paraguai e Argentina, aportou à cidade de Santos
em outubro de 1899.
Mas desta vez não estava nas preces e procissões a tábua
de salvação das massas desprotegidas. Ainda em 1894 tinha
sido descoberto o agente etiológico em Hong Kong, primeiro
pelo pesquisador suíço Alexandre Yersin, do Instituto Pasteur,
que o denominou Pasteurella pestis (hoje Yersinia pestis)
em homenagem ao Mestre, e pouco depois pelo japonês Shibasaburo
Kitasato, discípulo de Robert Koch. O mesmo Yersin junto
ao seu colaborador Henri Carré e também o médico russo W.
M. Haffkine, já haviam preparado as primeiras vacinas que,
embora precisassem de aperfeiçoamento, despontavam como
armas profiláticas.
A Criação do Instituto Soroterápico
Foi nessa emergência que o governo federal designou Oswaldo
Cruz, recém-chegado de longo estágio em Paris, no Instituto
Pasteur, para juntamente com Adolpho Lutz e Vital Brazil,
designados pelo governo de São Paulo, verificar a real etiologia
da epidemia de Santos. Confirmado oficialmente que "a moléstia
reinante em Santos é a peste bubônica", decidiram as autoridades
sanitárias instituir laboratórios para produção de vacina
e soro contra a peste. Assim foram fundados o Instituto
Butantan, em São Paulo, e o Instituto Soroterápico Municipal
no Rio de Janeiro, na Fazenda de Manguinhos.
O Instituto Soroterápico resultou da sugestão do Barão de
Pedro Affonso - cirurgião de reconhecida competência, fundador
do Instituto Vacínico, primeiro laboratório produtor de
vacina antivaríolica no país - ao Prefeito do Distrito Federal,
Cesário Alvim, que cedeu para instalação do novo serviço
a Fazenda de Manguinhos, convenientemente situada longe
do centro urbano. Tencionava o Barão contratar um especialista
do Instituto Pasteur para a direção técnica, mas por indicação
de Émile Roux ofereceu o cargo a Oswaldo Cruz.
De posse da lista de material a ser adquirido, organizada
pelo novo diretor técnico, partiu o Barão para a Europa.
Em Paris conseguiu contratar apenas o veterinário Henri
Carré, colaborador de Yersin na produção da primeira vacina
anti-pestosa; é que, o governo brasileiro só o autorizara
a oferecer contratos pouco atraentes além de inoperantes,
pelo prazo máximo de seis meses.
Instalados os laboratórios, iniciaram-se os trabalhos, sem
qualquer cerimonial, no dia 25 de maio de 1900. Sob o peso
de ingente tarefa a ser cumprida, encontravam-se nas instalações,
além dos diretores administrativo e técnico, três profissionais:
o Coronel-Médico Ismael da Rocha, bacteriologista do Serviço
de Saúde do Exército; o médico Henrique de Figueiredo Vasconcellos,
assistente do Instituto Vacínico; e o veterinário H. Carré.
Além desses profissionais havia ainda um estudante de medicina,
Ezequiel Caetano Dias. Mas logo a Prefeitura se viu impossibilitada
de continuar mantendo a nova instituição, que foi transferida
para a Diretoria de Saúde Pública do Ministério da Justiça
e Negócios Interiores, e inaugurada oficialmente em 23 de
julho como Instituto Soroterápico Federal.
Pouco depois, a equipe inicial era desfalcada de dois componentes:
Ismael da Rocha, chamado de volta para o laboratório do
Exército, e Carré, que regressava à França com problemas
de saúde, segundo uns, ou com receio da febre amarela, segundo
outros. Mas a competência dos restantes já estava comprovada,
sendo julgada necessária apenas a contratação de um estudante
de medicina, Antônio Cardoso Fontes, e de alguns auxiliares.
Nenhum dos cinco remanescentes tinha a mínima experiência
em vacina ou soro contra a peste. Apenas Oswaldo Cruz havia
visitado a seção de soros do Instituto Pasteur, mas seu
interesse estava no preparo da antitoxina diftérica. Tanto
em relação à vacina quanto ao soro, os dados disponíveis
na escassa literatura careciam de detalhes precisos que
permitissem seu preparo fora dos laboratórios produtores.
Primeiras Produções Relevantes
Utilizando inicialmente o bacilo que isolara em Santos e
aperfeiçoando os métodos conhecidos, conseguiu Oswaldo Cruz
que o recém-criado Instituto produzisse, apenas seis meses
depois de sua fundação, uma vacina e um soro que logo seriam
reconhecidos internacionalmente como excelentes (segundo
Émile Roux) e entre os mais eficazes então existentes (segundo
W. Kolle e R. Otto, do Instituto de Doenças Infecciosas
de Berlim - diretor Robert Koch). O "estado da arte" a respeito
foi exposto em extenso artigo no Brazil-Medico em 1901,
onde são detalhados "os argumentos e factos que orientaram
o Instituto na escolha do processo que adoptou", o método
de fabricação, a técnica da vacinação, as vantagens da vacina
e os cuidados que deviam acompanhar sua aplicação.
Entretanto, a primeira publicação do novo Instituto, também
no Brazil-Medico de 1901, nada tem a ver com a peste, intitulando-se
"Contribuição para o estudo dos culicideos do Rio de Janeiro,
pelo Dr. Oswaldo Gonçalves Cruz (trabalho do Instituto de
Manguinhos)". Revela o inconformismo do autor com a idéia
de uma instituição meramente destinada à fabricação de soros
e vacinas. Há menos de três anos (novembro de 1898) os italianos
Amico Bignami, Giovanni Battista Grassi e Giuseppe Bastianelli
haviam demonstrado a transmissão da malária por mosquitos
anofelinos, devia pois o Instituto, além do absorvente compromisso
que assumira, chamar a si a tarefa de reconhecer os representantes
brasileiros desse grupo zoológico. O Anopheles lutzi, espécie
nova descrita nesse trabalho, sabe-se hoje que ocorre do
Amazonas ao Rio Grande do Sul, e também na Bolívia, no Paraguai
e na Argentina. Essa publicação inaugura o estudo da entomologia
médica brasileira por pesquisadores nacionais, sendo seguida
por três outras, até 1907. Todas elas aparecem como trabalhos
do autodenominado "Instituto de Manguinhos".
Nesse ínterim são publicadas mais cinco contribuições de
Arthur Neiva, Carlos Chagas e Antônio Peryassú sobre culicideos
do Brasil, firmando os alicerces de uma escola altamente
produtiva de entomologistas e acarologistas que se desenvolveria
até os dias atuais.
A intenção de fazer do Instituto um centro de investigação
científica original que fundamentasse as atividades aplicadas
transparece nas publicações de Oswaldo Cruz. Com exceção
de duas - "A vaccinação anti-pestosa"(1901) e "Dos accidentes
em sorotherapia"(1902), assuntos inerentes à finalidade
oficial da instituição e que aparecem como trabalhos do
"Instituto Sôrotherapico Federal (Instituto de Manguinhos)",
todas as demais referem apenas "Instituto de Manguinhos".
Mesmo um artigo sobre "Peste", de âmbito abrangente (epidemiologia,
microbiologia, transmissão, sintomatologia, anatomia patológica,
diagnóstico, tratamento e profilaxia), não lidando especificamente
com soros e vacinas , é "Trabalho do Instituto de Manguinhos".
Essa referência continua aparecendo mesmo nas publicações
posteriores à mudança do nome para Instituto Oswaldo Cruz.
Ainda durante a gestão do Barão como diretor administrativo
(posto ao qual renunciou em dezembro de 1902), começam a
acorrer ao Instituto estudantes de medicina, em busca de
estágio ou de orientação para suas teses, então indispensáveis
para a graduação. Outros temas de pesquisa foram sendo rapidamente
adotados em diversos domínios: hematologia, bacteriologia,
protozoologia, virologia, imunologia e helmintologia. Iniciou-se
então radical mudança no panorama acadêmico do Rio de Janeiro:
em vez das habituais compilações baseadas na literatura
corrente, surgem em número crescente monografias baseadas
em pesquisas originais que só excepcionalmente versam sobre
a peste. Nomes que ilustrariam a ciência biomédica nacional
tiveram sua formação aperfeiçoada e direcionada sob a orientação
de Oswaldo Cruz no "Instituto de Manguinhos". Entre outros,
Carlos Chagas, Ezequiel Dias, Antônio Cardoso Fontes, Eduardo
Rabello, Paulo Parreiras Horta, Henrique de Beaurepaire
Aragão, Affonso MacDowell, Henrique da Rocha Lima, Raul
de Almeida Magalhães, Arthur Neiva, Antônio Gonçalves Peryassú,
José Gomes de Faria, Alcides Godoy, Arthur Moses para referir
somente os autores de algumas entre as 23 teses produzidas
de 1901 a 1910. O fato de constarem desta lista não apenas
nomes que ingressaram no quadro de pesquisadores do Instituto,
mas também outros que fora dele tornaram-se proeminentes
em suas especialidades, mostra a influência do Instituto
na renovação científica do país.
Além das teses, durante essa mesma fase o Instituto produziu
cerca de 120 publicações originais em periódicos nacionais
(a grande maioria no Brazil-Medico) e em revistas internacionais
altamente seletivas, como Centralblatt für Bakteriologie,
Biologischen Zentralblatt, Archiv für Protistenkunde, Archiv
für Schiffs und Tropen-Hygiene, Zeitschrift für Hygiene
und Infektionskrankheiten, Münchener Medizinische, Annales
de l'Institut Pasteur, Comptes Rendus de la Société de Biologie
e Bulletin de la Société de Pathologie Exotique. Por
essa época a lista de revistas científicas assinadas para
a Biblioteca do Instituto ultrapassava 420 títulos.
O Nascimento do IOC
Até 1907, quando o Instituto foi premiado com a importante
medalha de ouro do Congresso Internacional de Higiene e
Demografia, em Berlim, sua produção científica, divulgada
pelos periódicos mencionados, resultava do trabalho de jovens
pesquisadores que nunca tinham freqüentado outro centro
de investigação. Só depois daquele evento cientistas renomados
como Stanislas von Prowazek, Gustav Giemsa e Max Hartmann
manifestaram interesse em trabalhar nos laboratórios de
Manguinhos, aqui permanecendo por longo tempo colaborando
em estudos sobre varíola, citologia, soro antidiftérico,
espiroquetose, ciliados, amebas, triconinfas, hemogregarinas
e outros protozoários.
O impacto da premiação do Instituto foi decisivo em outros
aspectos. O projeto que transformava o Instituto Soroterápico
Federal em "Instituto de Patologia Experimental", adormecido
há longo tempo no Congresso, foi rapidamente aprovado e
sancionado pelo presidente Affonso Penna, como Decreto n°
1812, em 12 de dezembro de 1907. Ao ser aprovado pelo Governo
o respectivo regimento, em 19 de março de 1908, foi oficialmente
adotada a denominação "Instituto Oswaldo Cruz".
Foi assim que, especificamente destinado à fabricação de
soro e vacina contra a endemia de peste, o Instituto Soroterápico
formou um pequeno grupo que rapidamente absorveu e ampliou
o conhecimento científico e tecnológico necessário ao sucesso
da empresa. De posse desse know-how, uma estrutura medíocre
limitar-se-ia a uma produtividade rotineira, de grande utilidade
social mas confinada à sua finalidade imediata. Quis o acaso,
porém, que à frente do empreendimento estivesse alguém tão
preparado como Oswaldo Gonçalves Cruz para entender que
esse bem sucedido primórdio científico e tecnológico podia
ser ampliado para abranger outros campos da patologia nacional.
Com um desenvolvimento científico nivelado aos mais altos
padrões da época, associado à transmissão do conhecimento
através do Curso de Aplicação e à produção de vários agentes
profiláticos, terapêuticos e diagnósticos, já em 1909 o
Instituto Oswaldo Cruz havia assumido, numa seqüência inversa,
as tarefas que hoje caracterizam a moderna Universidade:
ensino, pesquisa e extensão. E, para melhor assegurar a
difusão do conhecimento gerado em seus laboratórios, pôs
em circulação a partir de 1909 as "Memórias do Instituto
Oswaldo Cruz", atualmente o mais antigo periódico biomédico
da América Latina.
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