Pesquisadores
produzem genérico totalmente nacional
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Programa
de Biofarmácia e Farmacometria da Faculdade de Farmácia
da UFRJ mostra que com interação entre universidade,
empresa e financiamento do governo, a indústria farmacêutica
brasileira só tem a ganhar
Um medicamento genérico totalmente nacional. Este
é o resultado do trabalho da equipe do Programa
de Biofarmácia e Farmacometria (PBF), criado
pela Faculdade de Farmácia da UFRJ, em 1998. Com o
apoio da Financiadora de Estudos e Projetos do Ministério
da Saúde - FINEP, por meio do Fundo Verde-Amarelo
e da parceria com os Laboratórios Biosintética Ltda
e Formil, um dos estudos do PBF teve um medicamento
aprovado como genérico que já está sendo comercializado:
o Bromazepam, uma benzodiazepina que pode ser utilizada
como anticiolíticos (de efeito calmante) e antiepiléticos,
por exemplo.
"Este é o primeiro genérico 100% verde-amarelo.
Na maioria das vezes a matéria prima vem da Índia,
Canadá e é feita aqui a formulação farmacêutica. Nesse
caso, a síntese foi feita por uma firma farmacoquímica
brasileira, o comprimido foi feito na Biosintética
e toda a parte de avaliação foi feita na UFRJ. Um
belo exemplo de como o governo, através da FINEP,
aproximou a universidade da indústria", afirma
o professor François Noël, responsável pela etapa
de farmacocinética e estatística do PBF. Segundo ele,
em junho, o programa dará início a um novo estudo
com o Clonazepan, fármaco de efeito mais sedativo.
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Registrado oficialmente
na Pró-Reitoria de Extensão em janeiro de
2000, o PBF é um projeto de extensão que além
de realizar uma prestação de serviço agregando
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acadêmico,
onde
envolve alunos de iniciação científica e de mestrado,
tem o objetivo de apoiar a política de medicamentos
do Ministério da Saúde, realizando estudos que comprovam
a eficácia e a segurança dos genéricos. O programa
foi criado pela Faculdade de Farmácia da UFRJ em 1998,
preparando-se para o que viria ser uma revolução na
indústria farmacêutica brasileira: a Lei
No 9.787/99 promulgada pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)
que dispõe sobre os medicamentos genéricos e trata
da comprovação da eficácia e segurança de medicamentos
através de testes de biodisponibilidade.
Desde que foi criado, o PBF interage com as indústrias
farmacêuticas nacionais e laboratórios oficiais realizando
testes de equivalência farmacêutica, de bioequivalência
e de biodisponibilidade relativa dos fármacos. E os
resultados não demoraram muito para aparecer. Os equipamentos
do Centro de Bioequivalência, coordenado pelo professor
José Carlos Saraiva Gonçalves, foram cedidos pela
ANVISA em 2001, durante uma compra global realizada
na ocasião. Os testes têm regras muito rígidas e seus
resultados passam por avaliações periódicas da ANVISA.
"Acabamos de receber uma comissão da ANVISA que
ficou aqui três dias estudando a documentação e as
condições do laboratório", afirma François
Noël. Ainda segundo ele, existem no estado do
Rio de Janeiro outros grupos que trabalham com testes
de bioequivalência, como FIOCRUZ e a UFF. No entanto,
apenas a UFRJ trabalha com todas as etapas necessárias:
equivalência farmacêutica, que é feita in vitro,
e a bioequivalência, que engloba estudos clínicos,
analíticos e estatísticos.
Como funcionam os testes de bioequivalência ?
O estudo de bioequivalência se tornou no mundo inteiro
o padrão para comparar medicamentos e formulações
que possuam o mesmo princípio ativo, na mesma dosagem.
Ele dá uma resposta muito perto da resposta clínica
(que por ser muito cara é praticamente inviável),
assegurando que a eficácia e a segurança são semelhantes
entre as duas formulações comparadas.
No PBF, os testes são realizados com 24 voluntários
sadios com idade entre 18 e 55 anos. Cada voluntário
toma o comprimido de referência e depois o medicamento
teste, que virá a ser o genérico. O princípio ativo
é dosado no sangue dos voluntários e, depois é verificado
quanto do fármaco que estava no medicamento conseguiu
chegar na circulação sistêmica sob sua forma inalterada.
Aparelho
de dissolução acoplado a espectrofotômetro UV-Vis,
para estudo de Equivalência farmacêutica (in
vitro) |
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Responsável por uma das principais etapas do teste,
o professor François afirma que não é fácil comprovar
a bioequivalência. No entanto, o grande problema é
ter a certeza que os lotes que serão feitos depois
dos estudos vão possuir o mesmo padrão de qualidade.
E isso também é de responsabilidade da ANVISA, que
deve assegurar que as práticas de fabricação estão
sendo realizadas da maneira correta. "Essas práticas
garantem que daqui a três anos um medicamento seja
o mesmo do que foi aprovado. Esse é o grande desafio".
O importante, segundo ele, é que o paciente possa
ter intercambialidade, o que significa poder trocar
de marca sem que haja nenhuma alteração de qualidade
do medicamento.
Para o professor, é extremamente valioso para
a universidade ter a oportunidade de realizar um programa
como o PBF, não pelo volume de estudos que podem ser
realizados, mas pelo fato de a UFRJ ter a possibilidade
de contribuir cientificamente e academicamente, questionando,
propondo alterações na legislação e, sobretudo, formando
pessoal. Mas, mesmo com o sucesso já alcançado, o
François Noël afirma que "para atender melhor
e para justificar o investimento feito pelo Ministério
da Saúde, nós precisamos ter dentro da universidade
mais agilidade. Precisamos acabar com a burocracia
existente em algumas rotinas internas e continuar
no caminho que estamos traçando, sem desconfiança
entre universidade e empresa privada. Temos que aprender
a trabalhar juntos."
PBF e o Projeto do Milênio
Além dos estudos acima citados, o PBF participa do
Projeto do Milênio, ligado ao tratamento da tuberculose.
O programa, que envolve todo o país, tem na UFRJ grupos
bastante participativos. "Eles pediram que nós
ajudássemos na parte analítica envolvendo fármacos
usados no tratamento da tuberculose. Analisamos as
falhas no tratamento e os efeitos adversos, por exemplo.
Já o Labfarma, que também é um integrante do programa,
tem a tecnologia para dosar qualquer quantidade de
fármaco no sangue do paciente. Isso mostra como pode
haver uma integração de grupos", diz François.
No caso da tuberculose, por exemplo, que tem um tratamento
problemático por causa do tempo de duração e dos efeitos
adversos, a interação pode ajudar a compreender melhor
falhas terapêuticas e melhorar esquemas de tratamento.
"Queremos quebrar a barreira entre hospitais universitários
e estudantes do básico. De um lado temos nós, do outro
temos os médicos, os pesquisadores, o material humano
(o doente), com perguntas clínicas e mais práticas".
Genéricos X Similares
Na avaliação do professor da UFRJ, o programa dos
genéricos foi um sucesso no Brasil. Mesmo havendo
interesses políticos, tudo começou rapidamente e o
crescimento pela procura desses medicamentos foi assustador,
de uma maneira que não se conhece em outros países.
"Os genéricos já estão enraizados na realidade
brasileira. No entanto, acho que a população precisa
ser mais informada. Atualmente não temos mais o apelo
publicitário que tivemos há alguns anos. É preciso
manter essa informação para que não ocorra a chamada
"empurroterapia": quando o paciente chega na farmácia,
quer um genérico, e sai com um similar, que até então
não teve a qualidade comprovada."
O governo, ao iniciar o projeto genérico,
já pensava em uma grande reformulação do mercado farmacêutico
no Brasil, introduzindo padrões de qualidade. O genérico
foi o início. Depois, foi criada uma nova legislação
para avaliar também a qualidade dos similares, que
já está em vigor desde o ano passado. "Alguns medicamentos
similares, aqueles que são mais propícios a dar efeitos
adversos, tiveram a obrigação de entregar até dezembro
de 2004 um estudo de biodisponibilidade relativa,
o mesmo que bioequivalência." Quem não apresentou
ou não justificou o atraso, viu seu medicamento retirado
no mercado. E para os demais similares, há um escalonamento
da necessidade de apresentar o resultado em função
do ano em que vai ser feito o pedido de renovação.
Assim, daqui a 10 anos, todos os medicamentos no mercado
brasileiro terão sua qualidade verificada através
do estudo de bioequivalência. "Isso é muito bom",
afirma François. "Esperamos com isso que muitos
medicamentos que não tenham qualidade saiam do mercado.
A tendência é que haja uma simplificação do mercado
com uma comprovação da qualidade. Não que o similar
não tenha qualidade, mas essa qualidade ainda precisa
ser testada", conclui.
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