Indústria Farmacêutica que Descobre Fármacos:
Produção de mitos ou medicamentos de fato?

Por Lúcia Beatriz

Publicado recentemente no Brasil, pela Editora Record, o famoso livro - "A verdade sobre os Laboratórios Farmacêuticos /The Truth About the Drug Companies"- é um convite à reflexão sobre os tortuosos métodos utilizados pela indústria farmacêutica norte-americana para manipular o governo, profissionais de saúde e a opinião pública, com objetivo de preservar o lucro de seus interesses comerciais.

"A verdade sobre os Laboratórios Farmacêuticos"
"Como somos enganados e o que podemos fazer a respeito"

Escrito, em 2004, pela médica Marcia Angell, ex-editora-chefe do New England Journal of Medicine, o livro utiliza ironias e metáforas para desconstruir mitos criados pelos grandes laboratórios farmacêuticos. Com minúcias, a autora descreve a forma como instituições, que aparentemente deveriam ser imparciais, são cooptadas para trabalhar a favor do setor.

Para escrever o livro, Dra. Angell se fundamentou em documentos oficiais, artigos acadêmicos e reportagens de jornais e revistas de relevo internacional. Todas as suas denúncias possuem um embasamento científico. Ao mesmo tempo em que aponta os problemas, Marcia Angell apresenta propostas de como a indústria farmacêutica pode ser reformulada.


O Mito da Inovação

"A Indústria Farmacêutica não é inovadora" - denunciou Márcia Angell logo na introdução de seu livro. Com poucas Novas Entidades Moleculares (NME) recém descobertas, o mercado está carente de medicamentos realmente inovadores e saturado de imitações. Ao contrário do que a propaganda informa, a grande maioria dos novos medicamentos, além de não representarem novidade, também não podem ser considerados melhores do que os antigos.

"Medicamentos de imitação" - é assim que a autora classifica os novos fármacos que são apenas variações de medicamentos anteriores. Dra. Angell revela ainda que marketing farmacêutico é leviano ao anunciar a superioridade destes produtos, visto que, como os ensaios clínicos exigem apenas que os novos medicamentos sejam comparados com placebos (pílulas de açúcar), não há parâmetros científicos para se comprovar o progresso clínico tão proclamado.

A fabricação de medicamentos de imitação, também conhecidos como "me-too", é uma estratégia inteligente criada pelos laboratórios farmacêuticos para mascarar a seca que atingiu a fonte de novos medicamentos.

É uma forma de garantir uma fatia do mercado lucrativo, já estabelecido, produzindo algo muito semelhante a um medicamento de grande vendagem, transferindo o usuário para um novo produto, sob uma nova patente.

Segundo a autora, o principal problema dos medicamentos de imitação é que eles geram a escassez de medicamentos importantes, que são menos rentáveis. Para liberar a capacidade produtiva para os medicamentos "cópia", que possuem um mercado maior, medicamentos relevantes para a saúde da população param de ser fabricados ou deixam de ser descobertos.

PROPOSTA: Forçar os laboratórios farmacêuticos a concentrarem seus esforços em medicamentos inovadores, através do estabelecimento de uma legislação que exija que os novos medicamentos sejam comparados com antigos, em doses equivalentes. Conceder patentes apenas às descobertas genuinamente originais.



O Mito do alto custo em P&D
Recursos públicos para fins privados. Esta frase resume um pouco como Marcia Angell desconstruiu um dos mais importantes mitos da indústria farmacêutica: os altos custos com Pesquisa & Desenvolvimento.

Segundo a autora, ao oposto do que os grandes laboratórios afirmam, a maioria das pesquisas para a descoberta de um novo medicamento são realizadas em Instituições Acadêmicas, pequenas empresas de biotecnologia e nos Institutos Nacionais de Saúde. E estes, por sua vez, são financiados com recursos públicos, ou seja, dos contribuintes, que pagam duplamente pelos medicamentos: no ato da compra e da pesquisa.

Em seu livro, Dra. Angel revela que os laboratórios farmacêuticos precisam ocultar a origem "pública" de seus medicamentos, para desviar a atenção de seus maiores gastos, que são referentes ao marketing e administração. Informações importantes a respeito dos números da indústria farmacêutica são mantidas sob sigilo, principalmente porque o custo com P&D, por ser dedutível do imposto de renda, é inflado por outras atividades.

Segundo Márcia Angell, o mito do P&D é melhor forma encontrada pela indústria farmacêutica para justificar os altos preços dos medicamentos e o conseqüente monopólio das patentes. Devido à crise da inovação, atualmente os laboratórios farmacêuticos contratam "exércitos" de especialistas para vasculhar instituições acadêmicas e pequenas empresas de biotecnologia em busca de medicamentos para licenciar.

PROPOSTA: Aprovar uma legislação que exija uma auditoria na "caixa-preta" dos custos da indústria farmacêutica que descobre fármacos para a concessão de novas patentes.


O Mito dos Ensaios Clínicos

"A indústria farmacêutica utiliza estratégias para viciar dados dos ensaios clínicos para garantir o bom desempenho de seus medicamentos" - alertou Dra. Márcia Angell. Segundo ela, o controle atual que os laboratórios farmacêuticos exercem sobre o modo como a pesquisa é conduzida e relatada, pode resultar em um resultado tendencioso, que acaba por colocar os pacientes em risco. Medicamentos sem eficácia e segurança estão sendo aprovados devido a ensaios clínicos forjados.

O surgimento de uma nova indústria de pesquisa com fins lucrativos, as Organizações para Pesquisa por Contrato - onde médicos particulares colhem dados em seus consultórios,
e a crescente "generosidade" financeira dos laboratórios farmacêuticos aos centros acadêmicos de pesquisa "associados", são alguns dos fatores apontados pela autora como agentes facilitadores da manipulação de dados dos ensaios clínicos.


O livro descreve ainda outras estratégias:
- Ensaios clínicos só com jovens, para aparecer menos efeitos colaterais;
- Comparar medicamentos novos com antigos, só que em doses mais baixas;
- Apresentar apenas uma parte dos dados, suprimindo resultados negativos.

Márcia Angell também relata que os ensaios clínicos de Fase IV estão sendo usados para descobrir e patentear novos usos para os medicamentos, expandindo assim o seu direito de comercialização do produto, quando, na realidade, a sua função original seria realizar estudos de vigilância para zelar pela segurança fármaco.

PROPOSTA: Restaurar a imparcialidade das pesquisas clínicas através da criação de um Instituto para supervisionar os ensaios clínicos. Os laboratórios devem ser proibidos de controlar os ensaios clínicos de seus próprios medicamentos.


Como a Indústria Farmacêutica sustenta seus Mitos?

Os Mitos da indústria farmacêutica são sustentados por um volume incalculável de capital que é usado para incrementar agressivas ferramentas de marketing e cooptar instituições para trabalhar a favor de seus interesses comerciais.

Todos os custos para manter esta engrenagem fantasiosa são repassados ao consumidor, diluída nos altos preços dos medicamentos.

Congresso americano, Food and Drug Administration, Centros Médicos Acadêmicos, a educação médica continuada, os meios de comunicação, médicos e pacientes - é difícil encontrar quem ainda não tenha caído nas artimanhas da indústria farmacêutica. "Um conflito de interesses latente" - denuncia Márcia Angell em seu livro. Instituições que deveriam zelar pelo direito e bem estar dos cidadãos estão dependentes economicamente do setor que regulam.

No Congresso, lobby e contribuições para campanhas políticas. No FDA, recebimento de taxa de usuário por cada medicamento de prescrição aprovado. Centros Médicos Acadêmicos, a educação médica continuada (Congressos, Simpósios) e grupos de defesa de pacientes são patrocinados pelos laboratórios farmacêuticos. A mídia é inundada por anúncios de medicamentos. Até os periódicos científicos são financiados pelos laboratórios farmacêuticos.

Os resultados são visíveis a olho nú: uma legislação ineficiente - que prorroga monopólios, não garante a segurança e eficácia dos medicamentos, nem preços razoáveis ao consumidor, e um processo de medicalização desenfreado - onde médicos são treinados a pegar o bloco receituário e pacientes induzidos a sair do consultório sempre com uma prescrição.

Márcia Angell acredita que a indústria farmacêutica precisa ser salva, principalmente de si própria, devido à importância que seus produtos têm para a saúde pública.
A autora não vê outra forma de mudança, a não ser a pressão pública organizada, para que o setor volte a cumprir a sua finalidade original: desenvolver medicamentos importantes, a preços razoáveis.


PROPOSTA: Dra. Angell já fez a sua parte ao revelar a verdade sobre os laboratórios farmacêuticos e descrever como, por eles, somos enganados. Agora é necessário refletir para fazer alguma coisa a respeito: questione as prescrições médicas, reflita sobre o marketing farmacêutico, vote certo. Afinal de contas, a indústria farmacêutica é produtora de mitos ou medicamentos?


Leia e reflita:

"Cuidado com as amostras grátis! Quando elas acabarem você e seu médico já podem estar dependentes dela".

"Porque os médicos continuam receitando medicamentos de imitação mais caros, mesmo quando os originais já perderam a patente e se tornaram mais baratos?"

"Atualmente vemos uma inversão do marketing, antes os medicamentos eram anunciados para tratar as doenças, agora a indústria farmacêutica anuncia as doenças para encaixar em seus medicamentos".

"A indústria farmacêutica deve ser vista como uma atividade que licencia idéias, formula e fabrica produtos farmacêuticos, promove ensaios clínicos, patenteia e comercializa estes produtos (...) ela cobra por um medicamento que não descobriu, não desenvolveu, só porque conseguiu colocar no mercado".


FAPERJ

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