Poderosa pílula, "
super-remédio", medicamento milagroso
- ao cometer excesso nas adjetivações dos novos fármacos,
a mídia exagera na dose e acaba por produzir efeitos colaterais
graves na população: o estímulo à automedicação e o fetichismo
da tecnologia. Quando a matéria é de capa, nas revistas
semanais de grande circulação nacional, o problema pode
ser tornar ainda mais crônico.
Instrumentos indispensáveis às ações de saúde, os medicamentos
ocupam papel central na terapêutica da atualidade. Há um
fascínio do público pelas novas descobertas da indústria
farmacêutica, visto que elas dão esperanças de cura, de
prolongamento da vida e da juventude.
Consciente da demanda, as revistas semanais possuem editorias
fixas para tratar do assunto, como Saúde/ Medicina (
Veja
- Ed. Abril), Medicina & Bem-estar (
Isto
é - Ed. Três), Saúde & Bem-estar (
Época
- Ed. Globo), Evolução e Saúde (
Carta
Capital - Ed. Confiança).
Verifica-se, entretanto, que assim como acontece com a população,
a imprensa é facilmente seduzida pela inovação tecnológica
no que diz respeito às pílulas mágicas. A despeito de sofrer
ou não interferência do setor comercial dos veículos de
comunicação, a realidade é que as matérias jornalísticas,
quase em sua grande maioria, apelam para o sensacionalismo
quando vão anunciar uma recente descoberta da ciência e
muitas vezes fazem um trabalho deficiente ao informar sobre
novos medicamentos.
As notícias, geralmente, supervalorizam os benefícios, proclamando
as virtudes dos fármacos e subestimam suas reações adversas,
desconsiderando os efeitos potencialmente negativos do consumo
do medicamento a longo prazo. Informações como estas contribuem
negativamente na sociedade pois induzem e estimulam o consumo
indiscriminado do medicamento.
Visibilidade do Acomplia nas revistas semanais
Liberado para a comercialização no Brasil no final de
abril pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA),
O RIMONABANTO, produzido pelo laboratório
Sanofi-Aventis,
deve chegar às farmácias brasileiras entre julho e agosto
deste ano, com o nome fantasia de Acomplia. Com a promessa
de ser o mais novo
blockbuster da indústria farmacêutica,
o novo medicamento recebeu destaque nas revistas semanais
no mês de maio. Na mesma semana virou capa da Isto é e destaque
na seção Medicina da Veja.
A SUPERPÍLULA - Assim mesmo em maiúsculas, associada
a uma ilustração de um comprimido com uma "aura" mágica,
é a chamada de capa da Isto é de 2 de maio de 2007. Com
o título "
Poderosa
pílula" e subtítulo que mais se assemelha um
briefing
retirado de um release da indústria farmacêutica: "Acaba
de ser liberado no Brasil o Acomplia, um remédio audacioso
que, ao mesmo tempo, ataca a obesidade, melhora o colesterol
e a diabete. Um dia ele poderá ajudar você", as jornalistas
Celina Côrtes e Mônica Tarantino iniciam a matéria que pode
ser responsável por alavancar as vendas do Acomplia no Brasil.
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A SUPERPÍLULA
Acaba de ser liberado no Brasil o Acomplia, um
remédio audacioso que, ao mesmo tempo, ataca a obesidade,
melhora o colesterol e a diabete. Um dia ele poderá
ajudar você |
O conteúdo da reportagem apresenta uma didática bastante
simples para explicar o mecanismo de ação do fármaco no
organismo, complementada por um quadro explicativo [Ação
Múltipla]. Pouco destaque é dado aos efeitos adversos e
as contra-indicações do medicamento, mas há a indicação
de que, por ser um medicamento novo, os médicos não sabem,
ao certo, por quanto tempo ele deve ser tomado.
A matéria menciona apenas que o Acomplia não pode ser usado
por pessoas com depressão, ansiedade e problemas psiquiátricos.
Ao mesmo tempo que apresenta o caso de um paciente que ficou
deprimido, irritado e perdeu o interesse por sexo, passa
uma mensagem tranqüilizadora ao publicar o depoimento de
uma senhora que fala que não sofreu com mudanças de humor
quando comparado a outros medicamentos. No quadro ilustrativo
[O perfil do usuário] um pequeno box em vermelho chama a
atenção que os fumantes, ao fazerem uso do medicamento,
potencializam as chances de um problema cardiovascular.
Comprimido antibarriga - É desta forma que a revista
Veja* descreve o Rimanobanto na matéria "
Comprimido
antibarriga liberado no Brasil - a química da cintura de
pilão", expressão que pode estimular até aqueles desprovidos
de gordura abdominal, mas que almejam a forma perfeita,
fazerem uso do novo medicamento.
Veja relata que o principal efeito colateral é o enjôo,
que pode ser seguido de diarréia, tontura, vômito, entre
outras reações adversas. No quadro ilustrativo [O que mostram
os estudos] um pequeno box ainda completa as reações já
descritas na matéria incluindo sintomas como depressão,
ansiedade e insônia.
Somente conjugando as duas matérias é possível ter uma noção
mais realista e completa dos efeitos adversos e das contra-indicações
do Acomplia - o que para o leitor comum é impraticável,
visto que geralmente ele opta pela compra ou assinatura
de uma ou outra revista semanal e quase nunca de dois exemplares
de periódicos concorrentes, ainda mais na mesma semana.
Conclusão: a informação que chega ao consumidor é feita
de forma incompleta e fragmentada.
Um ponto positivo comum das duas reportagens (quase como
uma forma de se eximir da culpa de estar estimulando a medicalização
como a única forma de se obter uma vida saudável), é que
ao final de ambas, é recomendado ao leitor que ele também
faça a sua parte, mudando hábitos alimentares (dieta) e
mantendo atividade física constante (exercícios).
Para se ter uma boa cobertura jornalística na área da saúde,
ciência e tecnologia é necessário realizar reportagens mais
equilibradas e completas sobre os medicamentos. É preciso
resgatar a consciência crítica da mídia para que ela possa
enxergar além dos fármacos.
Leia mais e reflita:
"
A cobertura médica converteu-se numa espécie de "pátio
de milagres" habilmente orquestrada pela máquina promocional
da indústria farmacêutica" - Alberto Dines, jornalista
do Observatório de Imprensa na 12ª Conferência Nacional
de Saúde, Brasília, 8/12/03.
"
Para
desligar o circuito do vício" - Veja 23/05/07
|
"É imprevisível o
sentido que o indivíduo dá a mensagem recebida. O
ambiente e as experiências pessoais influenciam na
recepção da mensagem que pode ser entendida de várias
maneiras, em diferentes contextos"
Thompson JB em A mídia e a modernidade: uma teoria
social da mídia, Ed. Vozes, Petrópolis, 1998. |
"
Quando
tudo falha" - Época 14/05/07
Doentes compram drogas nunca antes testada em humanos
"
Os desconfortos da modernidade são considerados como
patologias"- Wilson da Costa Bueno, jornalista editor
do ComunicaSaúde.
"
Os
paliativos para a TPM" - Veja 06/06/07
Muita Calma nessa hora...
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