Inovações Farmacêuticas nas Revistas Semanais
Por Lúcia Beatriz

Poderosa pílula, "super-remédio", medicamento milagroso - ao cometer excesso nas adjetivações dos novos fármacos, a mídia exagera na dose e acaba por produzir efeitos colaterais graves na população: o estímulo à automedicação e o fetichismo da tecnologia. Quando a matéria é de capa, nas revistas semanais de grande circulação nacional, o problema pode ser tornar ainda mais crônico.

Instrumentos indispensáveis às ações de saúde, os medicamentos ocupam papel central na terapêutica da atualidade. Há um fascínio do público pelas novas descobertas da indústria farmacêutica, visto que elas dão esperanças de cura, de prolongamento da vida e da juventude.

Consciente da demanda, as revistas semanais possuem editorias fixas para tratar do assunto, como Saúde/ Medicina (Veja - Ed. Abril), Medicina & Bem-estar (Isto é - Ed. Três), Saúde & Bem-estar (Época - Ed. Globo), Evolução e Saúde (Carta Capital - Ed. Confiança).

Verifica-se, entretanto, que assim como acontece com a população, a imprensa é facilmente seduzida pela inovação tecnológica no que diz respeito às pílulas mágicas. A despeito de sofrer ou não interferência do setor comercial dos veículos de comunicação, a realidade é que as matérias jornalísticas, quase em sua grande maioria, apelam para o sensacionalismo quando vão anunciar uma recente descoberta da ciência e muitas vezes fazem um trabalho deficiente ao informar sobre novos medicamentos.

As notícias, geralmente, supervalorizam os benefícios, proclamando as virtudes dos fármacos e subestimam suas reações adversas, desconsiderando os efeitos potencialmente negativos do consumo do medicamento a longo prazo. Informações como estas contribuem negativamente na sociedade pois induzem e estimulam o consumo indiscriminado do medicamento.


Visibilidade do Acomplia nas revistas semanais

Liberado para a comercialização no Brasil no final de abril pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), O RIMONABANTO, produzido pelo laboratório Sanofi-Aventis, deve chegar às farmácias brasileiras entre julho e agosto deste ano, com o nome fantasia de Acomplia. Com a promessa de ser o mais novo blockbuster da indústria farmacêutica, o novo medicamento recebeu destaque nas revistas semanais no mês de maio. Na mesma semana virou capa da Isto é e destaque na seção Medicina da Veja.


A SUPERPÍLULA - Assim mesmo em maiúsculas, associada a uma ilustração de um comprimido com uma "aura" mágica, é a chamada de capa da Isto é de 2 de maio de 2007. Com o título "Poderosa pílula" e subtítulo que mais se assemelha um briefing retirado de um release da indústria farmacêutica: "Acaba de ser liberado no Brasil o Acomplia, um remédio audacioso que, ao mesmo tempo, ataca a obesidade, melhora o colesterol e a diabete. Um dia ele poderá ajudar você", as jornalistas Celina Côrtes e Mônica Tarantino iniciam a matéria que pode ser responsável por alavancar as vendas do Acomplia no Brasil.

REVISTA ISTO É A SUPERPÍLULA
Acaba de ser liberado no Brasil o Acomplia, um remédio audacioso que, ao mesmo tempo, ataca a obesidade, melhora o colesterol e a diabete. Um dia ele poderá ajudar você

O conteúdo da reportagem apresenta uma didática bastante simples para explicar o mecanismo de ação do fármaco no organismo, complementada por um quadro explicativo [Ação Múltipla]. Pouco destaque é dado aos efeitos adversos e as contra-indicações do medicamento, mas há a indicação de que, por ser um medicamento novo, os médicos não sabem, ao certo, por quanto tempo ele deve ser tomado.

A matéria menciona apenas que o Acomplia não pode ser usado por pessoas com depressão, ansiedade e problemas psiquiátricos. Ao mesmo tempo que apresenta o caso de um paciente que ficou deprimido, irritado e perdeu o interesse por sexo, passa uma mensagem tranqüilizadora ao publicar o depoimento de uma senhora que fala que não sofreu com mudanças de humor quando comparado a outros medicamentos. No quadro ilustrativo [O perfil do usuário] um pequeno box em vermelho chama a atenção que os fumantes, ao fazerem uso do medicamento, potencializam as chances de um problema cardiovascular.

Comprimido antibarriga - É desta forma que a revista Veja* descreve o Rimanobanto na matéria "Comprimido antibarriga liberado no Brasil - a química da cintura de pilão", expressão que pode estimular até aqueles desprovidos de gordura abdominal, mas que almejam a forma perfeita, fazerem uso do novo medicamento.

Veja relata que o principal efeito colateral é o enjôo, que pode ser seguido de diarréia, tontura, vômito, entre outras reações adversas. No quadro ilustrativo [O que mostram os estudos] um pequeno box ainda completa as reações já descritas na matéria incluindo sintomas como depressão, ansiedade e insônia.

Somente conjugando as duas matérias é possível ter uma noção mais realista e completa dos efeitos adversos e das contra-indicações do Acomplia - o que para o leitor comum é impraticável, visto que geralmente ele opta pela compra ou assinatura de uma ou outra revista semanal e quase nunca de dois exemplares de periódicos concorrentes, ainda mais na mesma semana. Conclusão: a informação que chega ao consumidor é feita de forma incompleta e fragmentada.

Um ponto positivo comum das duas reportagens (quase como uma forma de se eximir da culpa de estar estimulando a medicalização como a única forma de se obter uma vida saudável), é que ao final de ambas, é recomendado ao leitor que ele também faça a sua parte, mudando hábitos alimentares (dieta) e mantendo atividade física constante (exercícios).

Para se ter uma boa cobertura jornalística na área da saúde, ciência e tecnologia é necessário realizar reportagens mais equilibradas e completas sobre os medicamentos. É preciso resgatar a consciência crítica da mídia para que ela possa enxergar além dos fármacos.


Leia mais e reflita:

"A cobertura médica converteu-se numa espécie de "pátio de milagres" habilmente orquestrada pela máquina promocional da indústria farmacêutica" - Alberto Dines, jornalista do Observatório de Imprensa na 12ª Conferência Nacional de Saúde, Brasília, 8/12/03.


"Para desligar o circuito do vício" - Veja 23/05/07

REVISTA VEJA "É imprevisível o sentido que o indivíduo dá a mensagem recebida. O ambiente e as experiências pessoais influenciam na recepção da mensagem que pode ser entendida de várias maneiras, em diferentes contextos"
Thompson JB em A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia, Ed. Vozes, Petrópolis, 1998.


"Quando tudo falha" - Época 14/05/07
Doentes compram drogas nunca antes testada em humanos
"Os desconfortos da modernidade são considerados como patologias"- Wilson da Costa Bueno, jornalista editor do ComunicaSaúde.

"Os paliativos para a TPM" - Veja 06/06/07
Muita Calma nessa hora...
Os arquivos da revista Veja são de acesso restrito aos assinantes, mas as matérias da área de saúde encontram-se disponíveis na forma de clipping no site da Interfarma - Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa.

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