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E N T R E V I S T A
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JORGE BERMUDEZ
Chefe
da Unidade de Medicamentos, Vacinas e Tecnologias
em Saúde da OPAS/OMS |
Foto:
Vinícius Zepeda |
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O
médico brasileiro Jorge Bermudez é o atual Chefe da
Unidade de Medicamentos, Vacinas e Tecnologias em
Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS),
com sede em Washington, EUA. Nesta entrevista, o ex-Diretor
da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo
Cruz, fala de desafios, projetos futuros e da importância
deste seu novo cargo para a Saúde Pública do Brasil.
IVFRJ On Line
–
Qual a importância para sua vida profissional e para
o Brasil assumir este posto na Opas?
Jorge Bermudez
- Sem dúvida, representa em primeiro lugar um grande
desafio. Por outro lado, é uma honra e também um
reconhecimento a um profundo compromisso profissional
e institucional que tenho assumido durante minha
vida pública. Entretanto, considero que a acumulação
decorrente de trabalhar a questão da política de
medicamentos, os conceitos de acesso aos medicamentos,
medicamentos essenciais e uso racional de medicamentos,
durante os últimos anos no Brasil, permitem ter
uma visão abrangente. Por outro lado, ter tido a
oportunidade de conjugar a visão política, trabalhando
em uma relação estreita e sempre muito coesa com
o Ministério da Saúde, além de Centro Colaborador
da OPAS/OMS em Políticas Farmacêuticas, com a reflexão
acadêmica, contribui em muito e com a necessária
solidez na formulação, na implementação e na avaliação
de políticas setoriais no meu campo de estudos.
Em minha vida profissional, posso afirmar que além
de enriquecê-la e de acarretar uma maior experiência
na Saúde Internacional, permitindo uma estreita
vivência com a realidade dos países da nossa Região,
permite expandir a experiência do Brasil, que implementa
uma política respaldada na nossa Constituição de
1988 e que consagrou "Saúde como direito de todos
e dever do Estado". Nesse sentido, temos a visão
de que organismos como a OPAS e outras agências
das Nações Unidas, alem da prestação direta de cooperação
e de assessoria aos governos, devem ser capazes
de identificar os nichos de excelência existentes
em nossa Região e potencializar a denominada cooperação
horizontal.
Consideramos que o acesso aos medicamentos deve
ser considerado no marco das políticas de saúde
e incorporado de maneira plena nos sistemas e serviços
de saúde como direito humano fundamental. Com essa
finalidade, temos que considerar os medicamentos
e outros insumos em saúde como bens públicos e jamais
como mercadorias sujeitas ao comércio.
IVFRJ On Line - Como está sendo seu trabalho em Washington e quais projetos
estão sendo desenvolvidos?
Jorge Bermudez
-
Do ponto de vista profissional, o trabalho é muito
claro. Estamos implementando diretrizes muito concretas
nas áreas de trabalho que envolve minha Unidade,
que alias considero de bastante complexidade e abrangência,
considerando que envolve medicamentos, vacinas,
sangue e hemoderivados, alem de laboratórios (de
saúde pública e clínicos), manutenção de equipamentos
e tecnologias, entre as quais destacamos radiações
ionizantes, radiologia e rádio-proteção.
Há diretrizes claramente emanadas dos documentos
da OMS e da OPS, alem dos mandatos conferidos pelos
Estados-Membros e explicitados nas Resoluções que
anualmente são discutidas e aprovadas nas Assembléias
Mundiais da Saúde (todos os anos em maio) e nas
Sessões do Conselho Diretor da OPAS (todos os anos
em setembro). Ao mesmo tempo, as diretrizes da OPAS
hoje centram em três abordagens fundamentais: completar
a agenda inconclusa, proteger os avanços alcançados
e enfrentar os novos desafios.
Considerando as características e a complexidade
das áreas que se encontram incluídas em minha Unidade,
estabeleci como prioridades a agrupação de todas
as atividades em quatro grandes grupos ou "clusters":
(1) Acesso a produtos de qualidade;
(2) Políticas e regulação;
(3) Tecnologias essenciais em saúde
(4) Gestão da unidade, incluindo atividades inter-programáticas.
Com esta categorização, estamos implementando o
apoio aos países, identificando os principais entraves,
dificuldades e problemas que necessitam ser equacionados
para atingir os objetivos planejados. Um dos aspectos
que estamos identificando como prioritários e que
iniciamos a abordar com muita intensidade consiste
em acompanhar de perto os TLC (Tratados de Livre
Comércio) atualmente em discussão, negociação ou
implementação na Região das Américas e seu potencial
impacto no acesso aos medicamentos, decorrente em
especial da questão da propriedade intelectual.
Nesse sentido, a OPAS/OMS vem discutindo o apoio
aos países na implementação de flexibilidades previstas
nos acordos comerciais, alem de direcionar ações
conjuntas com outros organismos como CEPAL, PNUD,
Comunidade Andina de Nações e o MERCOSUL, apoiando
ações sub-regionais no tema do acesso aos medicamentos.
IVFRJ On Line - Como
o Brasil pode colaborar com seu trabalho na Opas?
Jorge Bermudez
- O Brasil exerce naturalmente uma posição de liderança
na Região. O movimento da Reforma Sanitária no Brasil,
a Constituição de 1988, o Sistema Único de Saúde,
o Programa de Saúde da Família, o acesso universal
aos medicamentos essenciais, o Programa de HIV/AIDS
são alguns exemplos de políticas setoriais que outros
países podem adotar ou adaptar. Evidentemente que
temos que levar em consideração os diferentes sistemas
de proteção social implementados nos diferentes
países. Faz parte das diretrizes atuais da OPAS
para a região das Américas, tentar trabalhar na
perspectiva de atuação sub-regional, no caso fortalecendo
atividades e abordagens conjuntas no MERCOSUL, na
Região Andina, na América Central e nos países do
Caribe.
Nesse sentido, temos quatro realidades completamente
diferentes entre si, mas que podem tentar aprender
com a experiência brasileira, adaptada a sua respectiva
realidade regional ou nacional.
Pelas minhas origens, mantenho uma vinculação e
um estreitamento de relações com o nosso Ministério
da Saúde e fica evidente que muitas das propostas
que estamos implementando em nossas novas atividades
para a Região se encontram fortemente impregnadas
das lições aprendidas com a experiência no Brasil.
Tanto a Representação da OPAS/OMS no Brasil como
as diferentes áreas no Ministério da Saúde são aliados
estratégicos nessa luta por melhorar as condições
de saúde na população da nossa região. Em especial
estamos identificando ações específicas que possam
estar direcionadas para o atendimento a populações
mais vulneráveis ou que precisam de uma atenção
diferenciada.
IVFRJ On Line - Como sua experiência de já ter trabalhado no serviço público
brasileiro, órgãos governamentais e Ministério da
Saúde, pode ajudar na sua atual função?
Jorge
Bermudez -
A complexidade do Brasil com suas três esferas de
governo, o trabalho articulado, a participação social,
a gestão democrática e as desigualdades presentes,
nos permitem uma visão muito clara das dificuldades,
nos instigando ainda mais para insistir nessa teimosia
de tentar promover uma sociedade mais eqüitativa,
com justiça social e que possa minimizar o atual
desequilíbrio e implementar as diretrizes que claramente
a Constituição da OMS também define com clareza:
atingir as melhores condições de vida para nossas
populações. Em especial, temos que vencer as barreiras
e conseguir trabalhar com países tão diferentes
entre si, enfrentando as dificuldades de países
menos favorecidos, mas de maneira muito clara respondendo
aos desafios colocados pela nova realidade econômica
e social presente em nossa Região. Não posso deixar
de mencionar a riqueza de aprendizado que representou
para mim ter exercido o cargo de Diretor da ENSP/FIOCRUZ
e que muito me fortaleceu na capacidade de propor
alternativas, mas ao mesmo tempo de poder escutar
e assimilar a experiência de todos aqueles envolvidos
com metas comuns.
Assumi, por concurso em Edital Público e após um
processo de seleção que envolveu vários meses, a
Chefia da Unidade de Medicamentos Essenciais, Vacinas
e Tecnologias em Saúde da Organização Pan-Americana
da Saúde. Tenho, portanto, a responsabilidade por
essas áreas que já descrevi anteriormente, para
a Região das Américas. É responsabilidade, compromisso
e mandato de organismos internacionais, fortalecer
as capacidades nacionais e dar suporte a iniciativas
que objetivam promover melhores condições de saúde
na Região. A OPAS trabalha com base nos compromissos
centrais de ser uma organização com uma visão de
saúde nas Américas; com os valores de Eqüidade e
Pan-Americanismo e com um triplo enfoque de trabalhar
com países chave, com populações especiais e com
prioridades técnicas. Tem sido fortalecida a integração
com outras agências das Nações Unidas e também com
a sociedade civil. Ao mesmo tempo, coloca-se como
eixo do trabalho nos países o de promover o Desenvolvimento
Nacional da Saúde.
Com esses objetivos e estratégia claramente delimitadas,
cabe às Unidades e Áreas de Gestão da OPAS potencializar
ao máximo os recursos existentes para obter uma
maximização nos resultados esperados. Para tanto,
trabalhamos com programações bianuais e com instrumentos
de gestão que incluem as atividades de nível central
e das equipes descentralizadas nos países da Região.