IVFRJ On Line - 48ª Edição
Ano III - 18 de julho de 2007
Seminário Internacional discute a lei das patentes à luz do desenvolvimento e inovação

Por Lucia Beatriz

A cidade do Rio de Janeiro, nos dias 5 de 6 de julho, foi palco do II Seminário Internacional Patentes, Inovação e Desenvolvimento (II SIPID), organizado pela Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (Abifina). O evento reuniu, na Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN), especialistas de diversas nacionalidades para discutir o futuro do sistema de patentes à luz da inovação no âmbito dos países em desenvolvimento.

O II SIPID teve início de forma descontraída, com uma gafe do apresentador - o INPI virou o Instituto Nacional da Prosperidade Industrial e a troca de palavras foi muito bem-vinda pelos participantes da mesa da abertura. "Prosperidade industrial, muito bem colocado, espero que este seminário seja um divisor de águas e traga exatamente isto", exclamou Fernando Sandroni, presidente do Conselho Empresarial de Tecnologia da FIRJAN.

Foto: Divulgação II SIPID

Palestrantes da Índia, China, Austrália, Reino Unido, Argentina, EUA, além do Brasil, é claro, apresentaram seus respectivos pontos de vista em relação ao Acordo Sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionado ao Comércio (Acordo Adipc ou TRIPS, seu acrônimo em inglês), assinado no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). O público presente foi convidado a refletir sobre os efeitos que estas leis podem produzir nos países desenvolvidos, principalmente no que tange ao acesso aos medicamentos essenciais.


Refletir sobre os erros do passado para acertar o futuro

Representantes da indústria farmacêutica nacional, técnicos do INPI, ANVISA e FIOCRUZ, Procuradores da República, advogados, economistas, entre outros segmentos da sociedade participaram do evento que se propôs a debater um relevante tema para agenda de um país, como o Brasil, que pretende se desenvolver dentro de um conceito auto-sustentável. "Se tivéssemos este interesse há 10 anos certamente nós teríamos uma legislação patentária muito mais favorável ao nosso desenvolvimento", refletiu Carlos Alexandre Geyer, presidente da Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais (ALANAC).

Foto: Divulgação II SIPID

Em 1996, o Brasil introduziu, precocemente, a lei de proteção a patentes e agora precisa reverter os prejuízos desta decisão. "Nós, ao contrário da Índia e Argentina, não aproveitamos absolutamente em nada as prerrogativas que a legislação internacional permitia. Além de não nos beneficiarmos do prazo de 10 anos para adequação e implantação do TRIPS, o Brasil ainda antecipou o TRIPS PLUS, ao aceitar as patentes pipelaine", chamou a atenção Dr. Geyer.

Com a assinatura do acordo, o Brasil prejudicou a sua indústria farmoquímica e perdeu a oportunidade de fabricar inúmeros genéricos. "A comparação entre o setor farmacêutico brasileiro e o indiano deveria ser um belo exemplo de como o monopólio das patentes impacta negativamente nas empresas nacionais e nos consumidores", apontou o professor Cícero Gontijo, advogado e Procurador da República do Distrito Federal.


O exemplo que vem do Oriente

Atualmente, a Índia possui uma indústria farmacêutica extremamente forte da qual o Brasil é um grande cliente. "No período de ação de graça (transição do TRIPS) a Índia sofreu uma transformação agressiva em sua indústria farmacêutica, fusões, aquisições, tornando-se mais forte, ágil, desenvolvendo intensamente o seu parque de genéricos", comentou Dilip G. Shah, secretário geral da Indian Pharmaceutical Alliance (IPA), uma associação que reúne 14 companhias farmacêuticas indianas baseadas em pesquisa.

Segundo Shah, o sucesso inovativo da indústria farmacêutica indiana dependeu de uma atitude agressiva em relação ao mercado externo. "É ele quem de fato financia a pesquisa na Índia, 90% do que é gasto em pesquisa e desenvolvimento pela indústria farmacêutica vem das exportações", revelou o secretário geral da IPA, que faz ainda previsões positivas para o futuro da indústria farmacêutica do país: "calcula-se que em 2010 a Índia será responsável por 28% da produção de medicamentos genéricos do mundo".

Em 2005, quando o prazo de transição expirou, a Índia teve que assinar o TRIPS e, através de uma legislação inteligente, proibiu a entrada de patentes estrangeiras para os produtos que o país produzia, protegendo assim a sua indústria de genéricos. "Uma outra característica da lei de patentes indiana é não aceitar mudanças triviais nos produtos, para uma nova patente só com a real eficácia comprovada", explicou Dilip Shah.


Abusos nas patentes dos medicamentos

Cada vez mais estão se estreitando as áreas para quais as patentes se especificam. "Para um mesmo medicamento pode se ter mais de 50 patentes, em relação à dosagem, população de pacientes, novas formas farmacêuticas, entre outras patentes múltiplas", ressaltou Frederick Abbott, especialista em Direito Internacional da Florida State University.

Quando está para terminar o prazo de uma patente, geralmente a indústria farmacêutica entra com um pedido de patenteamento de um segundo uso médico ou uma nova forma do medicamento. Com isso, a patente de 20 anos, se estende por mais 40, 60, 80 anos, sem que ninguém possa produzir o medicamento. "Isso é uma forma de restrição do direito público, pois o medicamento fica no domínio único de uma empresa, que pode cobrar o preço que quiser", chama a atenção a advogada Maristela Basso, coordenadora de Propriedade Intelectual do Instituto de Direito do Comércio Internacional e Desenvolvimento (IDCID).

Foto: Divulgação II SIPID

"Uma nova forma física, como um gel, uma pomada não deveria implicar em mais 20 anos, talvez em 1, 2 anos. É necessário uma moderação, pois a sociedade fica refém da empresa que detém a patente do medicamento", reflete Dr. Maristela que faz elogios à ANVISA, por esta estar trabalhando atualmente com uma perspectiva mais de saúde pública, não autorizando o segundo uso, nem novas formulações.

Mirta Levis, diretora executiva da Asociación Latinoamericana de Industrias Farmacêuticas (ALIFAR) acredita que as patentes de baixa qualidade produzem um impacto negativo na sociedade, pois comprovam o monopólio sob os produtos. "É urgente melhorar o sistema de patentes concedendo licença apenas às inovações genuínas", revindica Levis.

Um comitê, com a participação de cientistas, para fazer auditoria externa nas patentes e a obrigação de relatórios específicos que possam trazer ao conhecimento público os riscos de cada patenteamento para a sociedade, foi o que sugeriu Peter Drahos, professor da Australian National University, que defende ainda que seja criado um "google de patentes" com os textos na íntegra a fim de promover uma maior transparência nos registros.


Interesse Público X Privado

Como fomentar a inovação em países em desenvolvimento e preservar as flexibilidades previstas no acordo TRIPS? Qual é a equação econômico-financeira que poderia deixar no limite do razoável um empreendimento privado na área da produção tecnológica voltada para saúde pública? Em um mundo regido por patentes, o que pode fazer os países em desenvolvimento enquanto tentam alcançar as outras nações?

É difícil o equilíbrio da garantia do acesso a medicamentos com a preservação da capacidade de investimento da indústria farmacêutica. "De um lado temos o direito subjetivo público coletivo e de outro o direito de propriedade. É de fato um confronto clássico entre o interesse social e o privado", definiu Marlon Weichert, Procurador Federal Regional no Estado de São Paulo, especialista em Direto Sanitário.

A tendência mundial hoje é a harmonização, ou seja, a padronização das leis patentárias a fim de que o sistema de patentes seja parecido em todo o mundo, evitando que uma empresa consiga uma patente em um pais e outro não. A harmonização, ao gerar um elevado nível de proteção patentária, é de grande interesse para os países desenvolvidos e extremamente perigosa para os países em desenvolvimento.

Foto: Divulgação II SIPID

Com a harmonização, por exemplo, a ANVISA não poderia mais fazer restrições quanto ao registro de produtos de segundo uso ou de novas formas farmacêuticas. "É necessário reconhecer os diferentes níveis de desenvolvimento dos países e fugir das negociações "one size fits all", é o que recomenda Ana Paula Jucá, advogada da União em exercício na ANVISA. "É importante que os países mantenham suas liberdades internas para que possam organizar o seu sistema de patentes para atender da melhor forma o desenvolvimento nacional", completa Juliana Vallini, consultora da Programa DST/AIDS, do Ministério da Saúde.


Saiba Mais:

Guidelines for the examination of pharmaceutical patents: developing a public health perspective

FIRJAN: http://www.firjan.org.br
ABIFINA: http://www.abifina.org.br
ANVISA: http://www.anvisa.gov.br
ALIFAR: http://www.alifar.com.ar
MediSourceAsia: http://www.medisourceasia.com/weblinks/indian_asso.htm
IDCID: http://www.idcid.org.br
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior:
http://www.desenvolvimento.gov.br
ALANAC: http://www.alanac.org.br


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