2º Congresso Brasileiro sobre o Uso
Racional de Medicamentos |
Evento produz documento para orientar políticas
públicas sobre o tema
A Universidade Federal de Santa Catarina, de 15 a
18 de outubro, sediou o 2º Congresso Brasileiro
sobre o Uso Racional de Medicamentos, que reuniu
em torno de 2 mil participantes, de diversos setores
da sociedade, para discutir como inserir a prática
do uso racional de medicamentos à agenda de
saúde do país. Como fruto das reflexões,
ao final do evento, foi produzida a “
Carta
de Florianópolis”, documento com um
conjunto de diretrizes que pretende racionalizar
todas as ações em prol da incorporação
do tema às políticas públicas
de saúde do Brasil.
Foto: Lúcia Beatriz |
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Norberto Rech (ANVISA), James Fitzgerald
(OPAS) e
Dirceu Barbano (MS) |
“Este Congresso pode ser considerado um marco para mobilização
do país em torno do uso correto de medicamentos”, avaliou James
Fitzgerald, da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS/OMS).
Para
Norberto
Rech, diretor adjunto
da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) o balanço
do evento foi positivo. “Todas as recomendações deste Congresso
serão um grande aporte para ampliar a formulação de políticas
públicas para o uso racional de medicamentos no Brasil”, afirmou.
A Assistência Farmacêutica deve ser vista como uma política
intersetorial e não apenas dos farmacêuticos - esta é a opinião
de
José Miguel do Nascimento Júnior,
coordenador geral da Assistência Farmacêutica Básica da Secretaria
da Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério
da Saúde e comum a muitos especialistas presentes no evento. “O
cuidado à saúde não pode ser privativo de nenhuma categoria.
O medicamento é um instrumento terapêutico que precisa ser melhor
compreendido e, neste caso, a interação entre as categorias profissionais
se faz importante”, defendeu Nascimento Júnior.
Pequeno Panorama do Congresso
Uma platéia híbrida e participativa composta por profissionais
e estudantes em igual proporção. Praticamente a metade dos congressistas
eram farmacêuticos, os outros 50% se distribuíam pelas diferentes áreas
da saúde (medicina, enfermagem, odontologia), do direito, da economia
e da administração pública. Valiosas contribuições
aos debates foram feitas por sotaques, de diferentes partes do país,
durante a intensa programação do Congresso composta por: 5 mesas-redonda,
4 conferências, 1 painel de discussão, 3 cursos, 3 oficinas, 1
fórum e uma audiência pública.
Ao todo 431 trabalhos científicos foram exibidos, em formato de pôster,
contemplando diversas categorias pertinentes à temática do uso
racional de medicamentos. Nove trabalhos tiveram o seu mérito reconhecido
e ganharam notoriedade ao serem convidados, pela Comissão Científica,
a integrar o programa oficial do evento, nas sessões de apresentações
orais. Com um olhar diferenciado, os alunos foram da teoria à prática.
Alguns mapearam os erros de medicação e mostraram uma triste
realidade; já outros apontaram caminhos viáveis e racionais para
tentar reverter o problema, que já se tornou crônico em nosso
país.
Foto: Lúcia Beatriz |
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Gabriela Bevilacqua (UFSC) abordou o contexto familiar no uso racional
de medicamentos |
O trabalho realizado pela equipe da farmacêutica Gabriela
Bevilacqua,
da Universidade Federal de Santa Catarina, trouxe o contexto familiar para
o uso racional de medicamentos. “Através
do genograma e ecomapa, ferramentas habitualmente usadas pelos psicólogos
e assistentes sociais, é possível saber como a família
está estruturada para identificar pontos que possam auxiliar na terapêutica.
De forma interdisciplinar podemos atuar na integralidade do paciente”,
explicou Gabriela que acredita que a família pode ser um campo de atuação
do farmacêutico para ajudar a resolver, de forma mais efetiva, problemas
com a medicação de determinados pacientes.
Espaço de Diálogo
A organização do evento inovou ao propor um novo formato de
discussão: o “Espaço de Diálogo”. A bancada
e o púpito foram de deixados de lado. Em seu lugar, um belíssimo
cenário típico de programa de televisão: sofás
brancos e decoração moderna. Na platéia os congressistas
foram testemunhas de um “piloto”, gravado ao vivo e transmitido
em tempo real pela internet. Na pauta personalidades da área da saúde,
do direito e do controle social foram convidados a debater temas polêmicos
relacionados ao contexto do uso racional de medicamentos.
Foto: Lúcia Beatriz |
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Espaço de Diálogo:
uma forma diferente de apresentar um painel sobre medicamentos |
Norberto Rech (ANVISA), uma revelação, de gestor a apresentador,
conduziu brilhantemente as discussões e ainda cedeu espaço para
os comerciais. Exibiu propositalmente propagandas de medicamentos, que na conjuntura
do “Espaço de Diálogo”, foram veementemente criticadas.
A proibição deste tipo de publicidade foi consenso entre todos
os convidados. Para estimular o debate, Rech apresentou casos reais de ações
judiciais, impetradas contra o Estado, para obrigar a compra de medicamentos.
Uma criança, com doença rara, foi para o exterior participar de
estudos clínicos para o desenvolvimento de um medicamento, de alto custo.
O paciente obtém a melhora, os estudos cessam, a família volta
ao Brasil e recorre à justiça solicitando a compra do medicamento
que não está registrado no país. Quem deve ser o responsável
por arcar como os custos deste tratamento? O caso suscitou algumas sugestões
para aumentar o controle social do Estado diante destas situações.
A regulamentação dos estudos clínicos realizados com cidadãos
brasileiros por laboratórios estrangeiros se mostrou urgente. A autorização
prévia da Comissão Brasileira de ética em pesquisa e a obrigatoriedade
do fornecimento do medicamento pelo laboratório produtor, foram algumas
propostas citadas. Outras hipóteses também foram levantadas como
forma de contornar a judicialização: considerar o interesse sanitário
para o registro de medicamentos no Brasil e limitar o fornecimento apenas daqueles
medicamentos com evidência científica comprovada.
Acesso x Excesso
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Charge de Ivan Cabral parodia o uso excessivo de medicamentos |
Tema constante nos debates do evento foi a dicotomia brasileira em relação
ao uso dos medicamentos. O país presencia uma epidemia do consumo com
uma inequidade do acesso. “Mais movimento e menos medicamento. Às
vezes o mais racional é não usar o medicamento e sim mudar o
estilo de vida”, foi o que alertou Clarice Petramale, da gerência
de Vigilância em Serviços de Saúde da ANVISA.
Para a professora Lenita Wannmacher,
especialista em seleção e uso de medicamentos, as listas de medicamentos
essenciais são um dos elementos mais custo-efetivos na realidade sanitária
atual. “Pela racionalidade dos custos existe a possibilidade de dar mais
acesso à população”, segundo ela, quando se restringe
o elenco, a qualidade do atendimento tende a melhorar e a segurança
do fármaco é preservada. “Tira do panorama todos aqueles
me-toos que não têm comprovação de real
eficácia”,
diz.
Gestores de saúde, comprometidos com o uso racional de medicamentos,
podem ser o alicerce fundamental para a internalização de Políticas
Públicas Nacionais de Medicamentos nos Estados e Municípios. “É necessário
pensar as listas de medicamentos como ferramenta de gestão”, foi
o que sugeriu Sílvio César Machado, da Secretaria Estadual de
Saúde do Espírito Santo.
Racionalizar, democratizar e nacionalizar
Estimular a produção nacional industrial de medicamentos essenciais.
Incorporar no cotidiano dos sistemas de saúde, tanto público
quanto privado, o conceito do uso racional. Formar recursos humanos de saúde
com o comprometimento ético e desprovidos de conflitos de interesse.
Fortalecer a atenção farmacêutica, a farmacovigilância
e as Comissões de Farmácia e Terapêutica. Difundir no país
a medicina baseada em evidências e as informações sobre
medicamentos isentas, confiáveis e atualizadas.
O 2º Congresso Brasileiro sobre Uso Racional de Medicamentos caracterizou-se
pela união de forças e idéias em torno de um objetivo
comum. A Carta de Florianópolis, com 22 recomendações,
produzida ao final das discussões, já pode ser considerada como
um símbolo emblemático em prol da construção de
políticas públicas em torno do uso correto dos medicamentos. “A
próxima etapa é fazer com que as sugestões sejam implementadas
na prática”, observou Norberto Rech, que foi o responsável
pela redação final do documento e também um dos membros
da Comissão Organizadora Nacional do evento.