IVFRJ On Line - 53ª Edição
Ano III - 06 de novembro de 2007
2º Congresso Brasileiro sobre o Uso Racional de Medicamentos
Evento produz documento para orientar políticas públicas sobre o tema

Por Lucia Beatriz

A Universidade Federal de Santa Catarina, de 15 a 18 de outubro, sediou o 2º Congresso Brasileiro sobre o Uso Racional de Medicamentos, que reuniu em torno de 2 mil participantes, de diversos setores da sociedade, para discutir como inserir a prática do uso racional de medicamentos à agenda de saúde do país. Como fruto das reflexões, ao final do evento, foi produzida a “Carta de Florianópolis”, documento com um conjunto de diretrizes que pretende racionalizar todas as ações em prol da incorporação do tema às políticas públicas de saúde do Brasil.

Foto: Lúcia Beatriz
Norberto Rech (ANVISA), James Fitzgerald (OPAS) e
Dirceu Barbano (MS)

“Este Congresso pode ser considerado um marco para mobilização do país em torno do uso correto de medicamentos”, avaliou James Fitzgerald, da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS/OMS). Para Norberto Rech, diretor adjunto da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) o balanço do evento foi positivo. “Todas as recomendações deste Congresso serão um grande aporte para ampliar a formulação de políticas públicas para o uso racional de medicamentos no Brasil”, afirmou.

A Assistência Farmacêutica deve ser vista como uma política intersetorial e não apenas dos farmacêuticos - esta é a opinião de José Miguel do Nascimento Júnior, coordenador geral da Assistência Farmacêutica Básica da Secretaria da Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde e comum a muitos especialistas presentes no evento. “O cuidado à saúde não pode ser privativo de nenhuma categoria. O medicamento é um instrumento terapêutico que precisa ser melhor compreendido e, neste caso, a interação entre as categorias profissionais se faz importante”, defendeu Nascimento Júnior.


Pequeno Panorama do Congresso

Uma platéia híbrida e participativa composta por profissionais e estudantes em igual proporção. Praticamente a metade dos congressistas eram farmacêuticos, os outros 50% se distribuíam pelas diferentes áreas da saúde (medicina, enfermagem, odontologia), do direito, da economia e da administração pública. Valiosas contribuições aos debates foram feitas por sotaques, de diferentes partes do país, durante a intensa programação do Congresso composta por: 5 mesas-redonda, 4 conferências, 1 painel de discussão, 3 cursos, 3 oficinas, 1 fórum e uma audiência pública.

Ao todo 431 trabalhos científicos foram exibidos, em formato de pôster, contemplando diversas categorias pertinentes à temática do uso racional de medicamentos. Nove trabalhos tiveram o seu mérito reconhecido e ganharam notoriedade ao serem convidados, pela Comissão Científica, a integrar o programa oficial do evento, nas sessões de apresentações orais. Com um olhar diferenciado, os alunos foram da teoria à prática. Alguns mapearam os erros de medicação e mostraram uma triste realidade; já outros apontaram caminhos viáveis e racionais para tentar reverter o problema, que já se tornou crônico em nosso país.

Foto: Lúcia Beatriz
Gabriela Bevilacqua (UFSC) abordou o contexto familiar no uso racional de medicamentos

O trabalho realizado pela equipe da farmacêutica Gabriela Bevilacqua, da Universidade Federal de Santa Catarina, trouxe o contexto familiar para o uso racional de medicamentos. “Através do genograma e ecomapa, ferramentas habitualmente usadas pelos psicólogos e assistentes sociais, é possível saber como a família está estruturada para identificar pontos que possam auxiliar na terapêutica. De forma interdisciplinar podemos atuar na integralidade do paciente”, explicou Gabriela que acredita que a família pode ser um campo de atuação do farmacêutico para ajudar a resolver, de forma mais efetiva, problemas com a medicação de determinados pacientes.


Espaço de Diálogo

A organização do evento inovou ao propor um novo formato de discussão: o “Espaço de Diálogo”. A bancada e o púpito foram de deixados de lado. Em seu lugar, um belíssimo cenário típico de programa de televisão: sofás brancos e decoração moderna. Na platéia os congressistas foram testemunhas de um “piloto”, gravado ao vivo e transmitido em tempo real pela internet. Na pauta personalidades da área da saúde, do direito e do controle social foram convidados a debater temas polêmicos relacionados ao contexto do uso racional de medicamentos.

Foto: Lúcia Beatriz
Espaço de Diálogo: uma forma diferente de apresentar um painel sobre medicamentos

Norberto Rech (ANVISA), uma revelação, de gestor a apresentador, conduziu brilhantemente as discussões e ainda cedeu espaço para os comerciais. Exibiu propositalmente propagandas de medicamentos, que na conjuntura do “Espaço de Diálogo”, foram veementemente criticadas. A proibição deste tipo de publicidade foi consenso entre todos os convidados. Para estimular o debate, Rech apresentou casos reais de ações judiciais, impetradas contra o Estado, para obrigar a compra de medicamentos.

Uma criança, com doença rara, foi para o exterior participar de estudos clínicos para o desenvolvimento de um medicamento, de alto custo. O paciente obtém a melhora, os estudos cessam, a família volta ao Brasil e recorre à justiça solicitando a compra do medicamento que não está registrado no país. Quem deve ser o responsável por arcar como os custos deste tratamento? O caso suscitou algumas sugestões para aumentar o controle social do Estado diante destas situações.

A regulamentação dos estudos clínicos realizados com cidadãos brasileiros por laboratórios estrangeiros se mostrou urgente. A autorização prévia da Comissão Brasileira de ética em pesquisa e a obrigatoriedade do fornecimento do medicamento pelo laboratório produtor, foram algumas propostas citadas. Outras hipóteses também foram levantadas como forma de contornar a judicialização: considerar o interesse sanitário para o registro de medicamentos no Brasil e limitar o fornecimento apenas daqueles medicamentos com evidência científica comprovada.


Acesso x Excesso
Charge de Ivan Cabral parodia o uso excessivo de medicamentos

Tema constante nos debates do evento foi a dicotomia brasileira em relação ao uso dos medicamentos. O país presencia uma epidemia do consumo com uma inequidade do acesso. “Mais movimento e menos medicamento. Às vezes o mais racional é não usar o medicamento e sim mudar o estilo de vida”, foi o que alertou Clarice Petramale, da gerência de Vigilância em Serviços de Saúde da ANVISA.

Para a professora Lenita Wannmacher, especialista em seleção e uso de medicamentos, as listas de medicamentos essenciais são um dos elementos mais custo-efetivos na realidade sanitária atual. “Pela racionalidade dos custos existe a possibilidade de dar mais acesso à população”, segundo ela, quando se restringe o elenco, a qualidade do atendimento tende a melhorar e a segurança do fármaco é preservada. “Tira do panorama todos aqueles me-toos que não têm comprovação de real eficácia”, diz.

Gestores de saúde, comprometidos com o uso racional de medicamentos, podem ser o alicerce fundamental para a internalização de Políticas Públicas Nacionais de Medicamentos nos Estados e Municípios. “É necessário pensar as listas de medicamentos como ferramenta de gestão”, foi o que sugeriu Sílvio César Machado, da Secretaria Estadual de Saúde do Espírito Santo.


Racionalizar, democratizar e nacionalizar

Estimular a produção nacional industrial de medicamentos essenciais. Incorporar no cotidiano dos sistemas de saúde, tanto público quanto privado, o conceito do uso racional. Formar recursos humanos de saúde com o comprometimento ético e desprovidos de conflitos de interesse. Fortalecer a atenção farmacêutica, a farmacovigilância e as Comissões de Farmácia e Terapêutica. Difundir no país a medicina baseada em evidências e as informações sobre medicamentos isentas, confiáveis e atualizadas.

O 2º Congresso Brasileiro sobre Uso Racional de Medicamentos caracterizou-se pela união de forças e idéias em torno de um objetivo comum. A Carta de Florianópolis, com 22 recomendações, produzida ao final das discussões, já pode ser considerada como um símbolo emblemático em prol da construção de políticas públicas em torno do uso correto dos medicamentos. “A próxima etapa é fazer com que as sugestões sejam implementadas na prática”, observou Norberto Rech, que foi o responsável pela redação final do documento e também um dos membros da Comissão Organizadora Nacional do evento.


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