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E N T R E V I S T A
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SUELY
LINS GALDINO
Líder do Grupo de Pesquisa em Inovação Terapêutica
(GPIT) da Universidade Federal de Pernambuco. |
A
Professora Suely Galdino atua em várias linhas de
pesquisa, entre elas uma sobre o desenvolvimento e
avaliação farmacológica e clínica de novos medicamentos
para a esquistossomose, uma das chamadas "doenças
negligenciadas".
Nesta entrevista ao Boletim IVFRJ On Line,
ela fala sobre as formas de se combater essas doenças
no Brasil e porque a indústria farmacêutica segue
o interesse mercadológico e não farmacológico.
IVFRJ On Line
–
Há algum programa do CNPq direcionado para pesquisas
sobre doenças negligenciadas?
Suely Galdino
- Devemos, inicialmente, definir o que são doenças
negligenciadas. A rigor, as doenças negligenciadas
são aquelas para as quais não existem tratamentos
eficazes ou adequados. Correspondem àquelas doenças
ignoradas por empresas farmacêuticas porque os medicamentos
para tratá-las não dão lucro, visto que as pessoas
acometidas não têm dinheiro para pagá-los. As doenças
negligenciadas, como a leishmaniose, doença do sono,
malária, doença de Chagas, dengue, esquistossomose
e tuberculose, são responsáveis pela morte de milhares
de pessoas a cada ano, principalmente nos países
em desenvolvimento, atingindo principalmente suas
populações menos favorecidas. Em relação à sua pergunta,
a resposta é não. De fato, não existe no CNPq um
programa direcionado para pesquisas em doenças negligenciadas,
ou seja, um programa de longa duração que suporte
uma estrutura gerencial e procedimentos para o processo
de concessão e utilização dos recursos financeiros
de bolsas e auxílios para estudo dessas doenças.
Para tanto, é preciso a implantação de uma rede
de pesquisas que reúna um conjunto de áreas representativas
da saúde de forma a permitir, desde o estabelecimento
de políticas públicas, incluindo a formação de recursos
humanos, o fomento a projetos de pesquisa regionais
e nacionais, com o apoio internacional, através
de recursos oriundos de natureza estatal ou privado.
Na realidade, as doenças negligenciadas permeiam
vários programas típicos de ciência e tecnologia
em vigor do CNPq de forma difusa, sem uma fisionomia
própria.
IVFRJ On Line - Que tipo de ação pode (ou deve) ser adotada pelo governo,
em seus diferentes níveis (federal, estadual e municipal),
para combater as doenças negligenciadas no Brasil?
Suely Galdino
-
No mundo globalizado em que vivemos, o Brasil representa
uma das fronteiras do mundo capitalista. Isto quer
dizer que nosso país ainda está sendo conquistado
à força para ser transformado em um negócio lucrativo.
As doenças negligenciadas não constituem um problema
exclusivamente brasileiro, nem tampouco é um problema
isolado, que pode ser resolvido por uma Medida Provisória.
Eu não teria condições, nem tampouco aqui haveria
espaço, para responder a esta questão. Com certeza,
as ações de responsabilidade do governo devem integrar
as três esferas do poder público, cada um deles
com suas funções e competências bem definidas. O
apoio do governo à indústria farmacêutica nacional
e laboratórios estatais para desenvolvimento de
genéricos e para o desenvolvimento de medicamentos
inovadores me parece um importante passo para garantir
o acesso ao medicamento a 52 milhões de brasileiros
miseráveis (Censo 2000, IBGE) que não sabem sequer
que o medicamento é um direito fundamental. Do ponto
de vista de política exterior, o controle dos acordos
comerciais (Acordo TRIPS da OMC) para excluir da
patenteabilidade os medicamentos, certamente beneficiará
o acesso ao mesmo. Internamente, a otimização do
SUS na distribuição de medicamentos seria uma ação
que combateria todas doenças, não apenas as negligenciadas.
IVFRJ On Line - Por
que a indústria farmacêutica e farmoquímica não
são sensíveis aos milhões de vítimas das doenças
negligenciadas? A sra. concorda que para eles vale
o interesse mercadológico e não o epidemiológico?
Suely Galdino
- As respostas destas perguntas são hoje de conhecimento
público. O mercado farmacêutico situa-se entre os
dez maiores do mundo, atingindo mais de 400 bilhões
dólares em 2002. É caracterizado por oligopólios,
apresentando uma elevada concentração de empresas
transnacionais. Constata-se, ainda, que se trata
de um mercado com uma relativa estabilidade em número
de unidades vendidas, mas que apresenta aumento
progressivo no faturamento. O preço dos medicamentos
obedece uma lógica mercadológica internacional,
independente da realidade sócio-econômica de cada
país. As rentabilidades apresentadas por estas empresas
são desproporcionais à inovação que introduzem na
área. Tais evidências mostram que o interesse certamente
não é epidemiológico.
IVFRJ OnLine- A Doença de Chagas,
por exemplo, descoberta em 1909, está preste a completar
cem anos de existência, sem cura para sua fase crônica.
O que está sendo feito para mudar esse quadro?
Suely Galdino - Ao lado da tripanossomíase
africana humana (doença do sono) e da leishmaniose,
a doença de Chagas faz parte do grupo das doenças
extremamente negligenciadas. Elas afetam apenas
as populações dos países em desenvolvimento e estão
fora do mercado farmacêutico global. No último dia
08 de junho foi lançada a campanha mundial "Doenças
Negligenciadas: será que os governos contraíram
a doença do sono?", parafraseando a tripanossomíase
africana humana. Esta campanha está sendo elaborada
pela Iniciativa de Drogas para Doenças Negligenciadas
(Drugs for Neglected Diseases Initiative - DNDi),
organização sem fins lucrativos que tem como objetivos
colaborar com a pesquisa e o desenvolvimento de
medicamentos para doenças negligenciadas, sendo
abraçada por órgãos governamentais e não-governamentais
como Médicos Sem Fronteiras, Organização Mundial
de Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, entre outros. Com
uma visão otimista, esta iniciativa trará como resultado
imediato o aumento da conscientização do poder público
e, dessa forma, a constatação da existência de uma
competência multidisciplinar instalada em universidades
e centros de pesquisa no país para atuar na cadeia
de produção de fármacos e medicamentos.
IVFRJ OnLine - Como a universidade
e seus doutores podem contribuir para mudar esta
situação?
Suely Galdino - A universidade púbica
brasileira que desenvolve pesquisa, ensino e extensão
de qualidade está incessantemente lutando com problemas
de custeio e limitações de recursos. Além de desempenhar
o papel principal na produção do conhecimento, cada
vez mais é cobrado da universidade o atendimento
às demandas sociais, o que nem sempre é alcançado
pois ela está enfraquecida. Em se tratando de doenças
negligenciadas, e até mesmo das doenças globais,
como as doenças cardiovasculares e o câncer, a universidade
tem um enorme potencial para contribuir nas três
etapas de P&D de medicamentos, particularmente naquelas
lacunas já identificadas no pipeline e que impedem
o desenvolvimento de novos medicamentos para as
doenças negligenciadas. Desta forma, através de
projetos de pesquisa multidisciplinares e no formato
de redes de pesquisa, a universidade tem capacidade
para aprofundar e ampliar pesquisas para a identificação
de novas moléculas candidatas a fármacos e medicamentos
através do planejamento racional, exploração da
biodiversidade brasileira, química combinatória
e otimização de protótipos. Para cumprimento das
demais etapas que conduzem ao desenvolvimento e
registro de um novo medicamento, a universidade
também pode contribuir decisivamente, seja na pesquisa
pré-clínica, seja na pesquisa clínica, lacunas já
identificadas como pontos de estrangulamento no
desenvolvimento de medicamentos para doenças negligenciadas.
É claro que estas atividades requerem recursos financeiros
sistemáticos e estáveis. Programas como o Instituto
do Milênio do CNPq podem dar base a essas ações,
principalmente porque estão atrelados à formação
de recursos humanos de alto nível. A propósito,
como estratégia de apoio à política industrial brasileira,
o CNPq elaborou, em junho de 2004, uma proposta
de atuação como suporte às atividades de C,T&I na
área de fármacos, o PROFARMA. Trata-se de uma proposta
bastante interessante construída por consultores
externos e técnicos do CNPq, que poderá trazer resultados
impactantes na área farmacêutica. No entanto, ao
que parece, o PROFARMA foi picado pela tse-tsé e
padece de uma lombeira, embora acreditamos que não
seja tão difícil despertá-lo.
Entrevista
concedida por e-mail em 4 de julho de 2005
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