Rio tem Centro Diagnóstico de Hipertemia
Maligna
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Doença
ligada ao processo de anestesia geral é estudada na
UFRJ
A Hipertemia Maligna é uma doença farmacogenética
do músculo esquelético que é desencadeada durante
o processo de anestesia geral. Afetando um em cada
14 mil pacientes submetidos a esse procedimento
médico em todo o mundo, a HM, como é conhecida,
leva à morte 70% dos enfermos.
Diante desses números preocupantes, o professor
Roberto Takashi Sudo, que é especialista na doença
e pesquisador do Departamento de Farmacologia, falou
ao IVFRJ Online sobre a fundação e
benefícios do Centro Diagnóstico de Hipertemia Maligna
na Universidade Federal do Rio de Janeiro, criado
em 1193, que serve como referência para os estudos
da doença no Brasil e no mundo. Além disso, ele
fala sobre os resultados da pesquisa que pretende,
junto com a indústria, produzir medicamentos capazes
de reverter a crise de HM.
Roberto Takashi Sudo é Professor Adjunto da Universidade
do Rio de Janeiro, com Pós-Doutorado em Wake Forest
University no estado da Carolina do Norte, EUA.
Médico formado pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro em 1976, Takashi não exerce a profissão,
mas trabalha com anestesiologia desde que se formou.
IVFRJ: O que é, exatamente, a Hipertermia Maligna?
Prof. Takashi: Descrita em 1960 por
um médico australiano chamado Michael Denborough,
a Hipertermia Maligna (HM) é uma doença farmacogenética
do músculo esquelético. Pacientes portadores da
HM são normalmente assintomáticos. A crise é subitamente
deflagrada pelos agentes anestésicos gerais halogenados
(halotano, isoflurano, sevoflurano e desflurano)
e pelo relaxante muscular succinilcolina, substâncias
estas utilizadas em cerca de 80% das anestesias
gerais. A fisiopatologia da HM está associada à
incapacidade da fibra muscular em regular a concentração
intracelular de cálcio na presença dos agentes desencadeantes,
em função da mutação do gene que contém a codificação
do receptor da rianodina do retículo sarcoplasmático
(RyR1). O aumento incontrolável de cálcio dentro
da célula ativa processos metabólicos: como aumento
do consumo de O2 e produção de CO2. Associado a
isto há destruição celular maciça em função da ativação
de enzimas específicas provocando aumento de potássio,
cálcio, mioglogina e da enzima fosfocreatinoquinase
no sangue com conseqüências graves na homeostasia
(equilíbrio) cardiovascular e renal. Ainda em conseqüência
do aumento do íon de cálcio, ocorre a contratura
muscular e hipertermia que pode alcançar temperaturas
acima de 44ºC. A mortalidade pela crise de HM é
aproximadamente de 70% dos casos.
IVFRJ: Existe uma cura definitiva?
Prof. Takashi: Pela característica
genética, principalmente, não há até o momento a
cura definitiva da HM.
IVFRJ: Por que há maior incidência em crianças
do que em adultos de meia idade ou em idosos?
Prof. Takashi: Não há explicação para
esta diferença. É possível que o processo de maturação
tecidual influenciado pelos fatores hormonais estejam
envolvidos.
IVFRJ: O estudo da doença é inédito no Brasil?
Prof. Takashi: A Universidade
Federal do Rio de Janeiro foi pioneira em estudar
a HM em bancada laboratorial. O Centro Diagnóstico
de Hipertermia Maligna da UFRJ foi inaugurado em
1993 e serve de referência para todo o país, e é
reconhecido pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia.
IVFRJ: Como e quando o senhor resolveu se dedicar
à pesquisa da Hipertermia Maligna?
Prof. Takashi: Pela minha formação
no doutorado, onde trabalhei com a regulação funcional
de músculo esquelético, e também pelo fato de ser
especializado em anestesiologia na área clínica,
apesar de não exercer a profissão. Além disto, acompanhei
vários casos letais de HM no Brasil.
IVFRJ: Quais os objetivos da sua pesquisa?
Prof. Takashi: O projeto Hipertermia
Maligna como um todo teve três metas a serem alcançadas:
a primeira, foi desenvolver um Centro de referência
nacional para o diagnóstico da doença; a segunda,
foi descobrir mutações em famílias brasileiras e
com isto criar uma forma alternativa diagnóstica
sem a necessidade de retirada de biópsia muscular,
que provoca dor e é extremamente dispendiosa; a
terceira, foi participar de projeto com a indústria
no sentido de estudar e produzir medicamentos capazes
de reverter a crise de HM.
IVFRJ: Algum resultado já foi alcançado?
Prof. Takashi: O Exame Diagnóstico
de HM foi realizado em 164 pacientes de diversos
estados do país. 85 pacientes (aproximadamente 52%)
foram suscetíveis à HM confirmada. Quanto ao estudo
genético, descobrimos duas novas mutações em famílias
brasileiras. Estas famílias estão sendo úteis para
o desenvolvimento do modelo diagnóstico molecular.
Referente a terceira meta do projeto estudamos inicialmente
o dantrolene sódico sintetizado no Brasil pelo Laboratório
Cristália Produtos Químicos e Farmacêuticos Ltda.
É importante ressaltar que o dantrolene reduz a
mortalidade de HM de 70% para menos de 10% dos casos.
O grande problema no Brasil era o preço do produto,
que custava cerca de três mil dólares o kit de tratamento,
e por isso, eram raros os hospitais que dispunham
desta substância. Com a síntese e produção no Brasil
o preço reduziu para cerca de US$ 1.200 e hoje,
milhares de hospitais já dispõe deste medicamento.
Uma outra substância denominada azumolene está sendo
desenvolvida em parceria com o Laboratório Cristália.
A grande vantagem do azumolene em relação ao dantrolene
é sua elevada solubilidade em água (cerca de 30
vezes maior). Aliás, o dantrolene é uma substância
de difícil uso clínico requerendo um grande volume
de líquido para dissolvê-lo. Gostaria de ressaltar
que o azumolene não está disponível em nenhum país
e há um grande apelo da comunidade dos anestesiologistas
que ela seja disponibilizado no mercado.
IVFRJ: Em caso de geração de medicamento, para
quando se espera que este esteja no mercado?
Prof. Takashi: Várias etapas do
estudo, financiadas pelo MCT/FINEP/Ação Transversal/Cristália,
como potência e eficácia já estão concluídas. Estamos
investigando a toxicidade pré-clínica e estamos
muito otimistas com os resultados parciais. Acreditamos
que o azumolene esteja no mercado em 18 a 24 meses.
IVFRJ: Quais as vantagens desse novo produto
em relação aos que já existem no mercado?
Prof. Takashi: Como mencionado
anteriormente, a grande vantagem é a maior solubilidade
do azumolene em relação ao dantrolene. Em termos
práticos, durante uma crise de HM, a dose a ser
utilizada do dantrolene teria que ser diluída em
por volta de 400 a 450 ml de água. Além disto, o
procedimento para dissolver o dantrolene requer
agitação em banho-maria e mesmo assim, a injeção
no paciente deve ser feita com o uso de filtro para
evitar a administração de partículas não solubilizadas.
Com o azumolene bastaria dissolver a quantidade
equivalente ao dantrolene em aproximadamente 15
a 20 ml. Na nossa experiência, quando testamos o
azumolene em animais, a dissolução e ação farmacológica
foram imediatas.
IVFRJ: Já foi registrada patente?
Prof. Takashi: O azumolene está
fora do prazo de patente, portanto, pode ser comercializada.