Lei de coabais: polêmica está
longe de acabar |
Veto
do Prefeito é mantido e gera mais discussão
entre parlamentares e cientistas |
Aprovado pela Câmara Municipal do Rio de
Janeiro no dia 21 de março de 2006 e vetado
integralmente pelo Prefeito Cesar Maia no dia 12
de maio, o projeto de lei 325/2005, de autoria do
vereador Cláudio Cavalcanti, ainda gera polêmica.
No dia 20 de junho foi realizada uma audiência
pública para debater o assunto. Mediada pelo
vereador Cláudio Cavalcanti, com uma mesa
composta por biólogos, filósofos,
médicos e um advogado, a audiência
foi considerada anti-democrática pelos cientistas.
O debate foi introduzido pelo relator da matéria,
o vereador Cláudio Cavalcanti. Em seguida,
foi a vez dos componentes da mesa se pronunciarem.
Os discursos do Dr. Marcelo Andrade Ribeiro, cardiologista
da USP, do Dr. Marcio Bontempo, doutor em Homeopatia
pela da Universidade São Camilo, da Dra.
Preci Haydee Grohmann, ex-professora da UFRJ, e
do Sr. Sergio Greif, da Companhia de Tecnologia
de Saneamento Ambiental do Estado de São
Paulo, foram a favor do projeto proposto pelo mediador
da mesa.
Nos dez minutos finais, único tempo destinado
aos cientistas presentes, os aplausos e gritos
de "bravo” cessaram. A vereadora Silvia
Pontes, que não apóia a lei, sob vaias
da maioria presente, expôs as razões
de sua posição contrária ao
projeto do vereador e leu mensagem dos pesquisadores
da Fundação Oswaldo Cruz, que resolveram
não comparecer visando desmoralizar o parlamentar.
Após a leitura da carta, foi a vez do Prof.
Pedro Lagerblad de Oliveira, da UFRJ, fazer seu
discurso e apresentar alguns argumentos da comunidade
científica do Rio de Janeiro em oposição
ao projeto. O Dr. Pedro afirmou em seu discurso
que o único período em que testes
experimentais foram realizados em seres humanos
foi durante a Segunda Guerra Mundial, pelos nazistas.
Em clima de guerra, a audiência teve fim.
No entanto, a polêmica gerada por esse projeto
está longe de acabar. Na próxima semana
haverá uma votação para tentar
derrubar o veto do Prefeito Cesar Maia e os pesquisadores
prometem continuar sua ofensiva. Na tentativa de
manter o veto, os cientistas vão atacar com
um bombardeio de cartas e artigos aos jornais, visando
demonstrar o quão absurdo é o projeto
do Herr vereador Cláudio Cavalcanti.
Com conseqüências graves para as instituições
de C&T do estado, essa lei não afetaria
somente a comunidade científica. Sem a possibilidade
de testes com animais, a sobrevida das pessoas e
a perspectiva de tratamento de doenças graves
também seriam negativamente afetadas. O que
causaria horas paradas, absenteísmos no trabalho,
nas escolas e nas universidades, por causa da saúde
comprometida, gerando prejuízos para a atividade
econômica e intelectual.
Inconstitucionalidade e ilegalidade
O projeto de lei 325/2005, publicado no dia 16
de junho de 2005, proíbe a vivissecção,
assim como o uso de animais em práticas experimentais
que provoquem sofrimento físico ou psicológico
aos mesmos, sendo essas com finalidades pedagógicas,
industriais, comerciais ou de pesquisa científica.
A lei causou extremo alvoroço e manifestação
dentro da comunidade científica, que será
excessivamente desfavorecida caso o veto do Prefeito
Cesar Maia seja derrubado. Segundo o texto aprovado,
as instituições e estabelecimentos
de ensino ou de pesquisa científica, industriais
e comerciais que descumprirem a lei pagarão
multa de R$ 2 mil por animal usado. Em caso de reincidência,
a instituição ou o estabelecimento
infrator terá o alvará de funcionamento
cassado.
Em seu ofício de resposta à Câmara,
o Prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia, vetou
a lei. Afirmou que a mesma continha "vícios
de inconstitucionalidade e ilegalidade”, acrescentando
que o projeto de lei encontra-se "inconveniente
e inoportuno ao público interesse municipal.
Verifica-se assim que a vedação da
utilização de animais em pesquisas
é medida que, além de contrariar a
legislação federal sobre o tema, pode
representar um grande atraso científico e
tecnológico para o município do Rio
de Janeiro, onde se localizam instituições
renomadas em pesquisas biológicas, como a
Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Fundação
Oswaldo Cruz”.
O Dr. Marco Aurélio Martins, pesquisador
da Fiocruz, falou da reação da comunidade
científica perante o projeto: "A surpresa
foi generalizada. Foi através da imprensa
que tomamos conhecimento de que tal projeto existia
e havia sido aprovado. Os vereadores na verdade
deram aval ao projeto sem maiores discussões,
sem saber das repercussões que a lei poderia
trazer à população. A reação
efetiva da comunidade científica está
pautada no sentido de explicar porque é necessária
a utilização dos animais de laboratório
para a pesquisa biomédica, não só
aos parlamentares, mas à toda a sociedade”.
Na tentativa de apresentar um lado que não
foi esclarecido pelo vereador ao submeter o projeto,
a comunidade científica enviou cartas, e
foi ao parlamento para discutir e debater o problema
criado pela aprovação do projeto.
"O tema da utilização dos animais
em pesquisa é complexo e não pode
ser tratado com mitos, desinformação
e muito menos radicalismo.” - criticou o Dr.
Marco Aurélio.
Em uma dessas cartas enviadas ao prefeito da cidade
do Rio de Janeiro, o professor Walter Colli, da
Universidade de São Paulo, torna claro: "A
questão da experimentação animal
se instala num primeiro princípio: ela é
essencial para o progresso da ciência, pois
inúmeras são as lacunas de conhecimento
básico e de produtos tecnológicos
que tratem o conjunto de questões de saúde
humana e veterinária. Apesar do país
já lançar mão de diversas abordagens
alternativas, como o uso de cultura de células,
ou o uso de simulações computacionais,
o setor de pesquisa biomédica e biológica
ainda não pode prescindir dos procedimentos
que utilizam animais de laboratório, tais
como testes de cinética ou de toxicidade
de novos medicamentos ou produtos imunobiológicos.”
O pesquisador da Fiocruz também falou dessas
abordagens alternativas: "Novos métodos
que não utilizam animais estão sendo
desenvolvidos, muitos deles com sucesso, pelos cientistas
da área biomédica. Esses métodos
certamente já contribuem para a diminuição
da quantidade de animais empregados em pesquisa.
Contudo, infelizmente, estamos muito longe de eliminar
por completo os animais das pesquisas. É
preciso reconhecer, também, que os métodos
baseados somente nos testes in vitro e em simulações
de computador são insuficientes para permitir
o desenvolvimento da cirurgia, das técnicas
para o tratamento intensivo, e investigações
das quais dependem os medicamentos e as vacinas
eficazes e seguras. Muitas vezes o que se chama
de "método alternativo” não
é exatamente alternativa ao uso do animal
mas precisa ser empregado junto com ele.”
Além da busca por processos alternativos de
pesquisa, existem outras formas pelas quais a comunidade
científica visa minimizar o sofrimento dos
animais de experimentação. Em união
ao bom senso e à conscientização
dos pesquisadores, existem os Princípios Éticos
na Experimentação Animal. "Redigido
em 1991, pelo Colégio Brasileiro de Experimentação
Animal (COBEA), este documento postula 12 Artigos
que norteiam a conduta dos professores e dos pesquisadores
na prática do uso de animais. Hoje todas as
instituições sérias de pesquisa
têm Comitês de Ética no Uso de
Experimentação Animal, e só desenvolvem
projetos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico
quando respaldados por parecer favorável desses
Comitês."- conclui o professor Walter Colli.