Substâncias psicotrópicas anorexígenas são questão
de saúde pública |
Convidada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANIVSA) a opiniar sobre a proposta de resolução
que dispõe sobre o aperfeiçoamento do controle e
fiscalização de substâncias psicotrópicas anorexígenas,
a sociedade brasileira, de dezembro de 2006 a fevereiro
deste ano, teve 60 dias para apresentar suas críticas
e sugestões a respeito deste tema.
Em março, durante a divulgação do relatório anual
da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes
(JIFE) - órgão ligado a Organização das Nações Unidas
(ONU), a ANVISA anunciou que irá reforçar o controle
sobre os medicamentos que inibem o apetite, assim
como todos os outros medicamentos de tarja preta,
e em alguns casos, também os de tarja vermelha,
através da criação do Sistema Nacional de Gerenciamento
de Produtos Controlados, a ser implantado até o
fim do primeiro semestre de 2007.
O relatório da JIFE aponta o Brasil como o maior
consumidor mundial de supressores de apetite, os
anorexígenos anfetamínicos. O país, além de consumir,
também é o maior produtor do mundo das substâncias
anoréticas (anfepramona e femproporex) e não só
consome tudo o que produz, como importou em 2004,
quase que toda a produção mundial de femproporex
(99,6%) - foi o que alertou a Sociedade Brasileira
de Vigilância de Medicamentos (SOBRAVIME), no documento
em que enviou a ANVISA, em resposta a Consulta Pública
n°89.
Em 1997, muitas substâncias anorexígenas, com fármacos
símiles a anfetamina e seus produtos, foram proibidas
de serem comercializadas em diversos países. Entre
os motivos principais desta suspensão está a falta
comprovação terapêutica quanto ao tratamento da
obesidade a longo prazo, o desenvolvimento de tolerância
e alto risco à saúde do paciente devido aos seus
perversos efeitos colaterais. Apesar de terem indicação
clínica questionável, os anorexígenos anfetamínicos,
até final do ano passado, eram consumidos livremente
no Brasil, sem exigência de retenção e, em muitas
farmácias, de apresentação da receita médica.
Mudança de receituário
O texto da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC)
da ANVISA não fala nem em proibição, nem em restrição
das substâncias psicotrópicas anorexígenas, prevê
apenas a alteração da notificação de receita azul
(B), para receita amarela (A), que exige um trâmite
mais burocrático, como a retenção da mesma nas farmácias
e drogarias.
A RDC n°14 também veta a prescrição de fórmulas
de dois ou mais medicamentos, seja em preparação
separada ou uma mesma formulação, que contenham
este tipo de substância associada entre si ou com
compostos ansíolíticos, diuréticos, hormônios ou
extratos hormonais e laxantes, bem como quaisquer
outras associações com fármacos de ações simpatolíticas
ou parassimpatolíticas.
Segundo ANVISA, a mudança de receituário fará com
que o médico seja obrigado a retirar, no próprio
órgão de vigilância sanitária, o talonário para
a prescrição do medicamento e os talões sendo obrigatoriamente
carimbados com a identificação do profissional,
eliminará a possibilidade de fraudes.
Vantagens do novo sistema
No Brasil, o consumo abusivo de medicamentos controlados
é agravado pela venda irregular, sem receituário;
pela prescrição e aviamento de fórmulas emagrecedoras
manipuladas contendo associações medicamentosas
não recomendadas pelos Conselhos Federal de Farmácia
e Medicina e também pela entrada de medicamentos
contrabandeados no país. Por isso a Anvisa está
propondo medidas sanitárias mais rígidas de controle
da prescrição e venda dos inibidores de apetite,
assim como outros fármacos de uso controlado.
Por meio do Sistema Nacional de Gerenciamento de
Produtos Controlados, a ANIVSA pretende detectar
eventuais abusos no processo de prescrição e venda,
já que o mecanismo vai integrar os dados sobre receituário
e comercialização ao Sistema Nacional de Vigilância
Sanitária. Atualmente, farmácias e drogarias precisam
reter a receita desse tipo de medicamento e anotar
os dados em um livro de registro, recolhido, periodicamente,
pela ANVISA.
Com o novo sistema, as informações sobre a receita
e a compra serão registradas on line, no
ato da compra, dando agilidade à fiscalização. Desta
forma será possível descobrir, com mais rapidez,
se em um estabelecimento a venda de um tipo de produto
está muito acima do padrão, ou se um profissional
vem liberando, para um mesmo paciente, uma quantidade
exagerada de receitas de um determinado medicamento.
Receita "A" seria a solução para o problema?
Segundo a Sociedade Brasileira de Vigilância em
Medicamento (SOBRAVIME), no Brasil ainda não existem
estatísticas disponíveis sobre a proporção de prescrições
de anorexígenos anfetamínicos em relação à de fórmulas
magistrais, sabe-se, entretanto, que é vultuosa
a variedade de produtos industriais incluindo recentes
produtos genéricos de cloridrato de anfepranoma.
Em nosso país é freqüente a incoerência nas prescrições,
o uso irracional é ainda agravado pela associação
dos anfetamínicos com benzodiazepínicos, diuréticos,
laxantes, hormônios tireodianos e até antidepressivos.
Mas será que a mudança de receituário e a criação
do Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos
Controlados será suficiente para resolvermos o problema
do uso indiscriminado de substâncias psicotrópicas
anorexígenas em nosso país?
Talvez seja necessária uma conscientização tanto
da moda, quanto da mídia, que impõe inalcançáveis
padrões de beleza como que uma condição essencial
para o ser humano ser feliz. Esse, prisioneiro de
sua fantasia, acaba se valendo de fármacos inibidores
de apetite, para suportar as tamanhas privações
das dietas, a fim de tentar alcançar uma imagem
perfeita.