Artigo |
Ciência
e animais de laboratório |
Artigo de Renato Sérgio Balão
Cordeiro
Esperamos que os vereadores da cidade do
RJ, que tem uma das maiores concentrações
de Instituições de C&T do Brasil,
tenham orgulho desse fato e, seguindo o exemplo
de Oswaldo Cruz no inicio do século passado,
ajudem a transformar nossa cidade no grande templo
da ciência nacional.
Vivemos uma ocasião de grande reflexão,
no momento quando a comunidade cientifica brasileira
junto com membros da Academia Brasileira de Ciências
e a SBPC se mobilizaram, apresentando sólidos
argumentos para que o Prefeito da Cidade do RJ vetasse
Projeto de Lei da Câmara dos Vereadores, que
proibia pesquisas com animais de laboratório.
Esse projeto paralisaria quase que integralmente
as atividades de investigação em instituições
de pesquisa como a Fundação Oswaldo
Cruz e em Universidades Federais e Estaduais com
grande prestigio nacional e internacional, sediados
em nossa cidade.
Consciente que a população carioca
não aprovaria uma Lei que prejudicasse a
saúde dos seus filhos e da população
em geral, e que muitos dos vereadores, segundo soube,
votaram favoravelmente ao projeto por uma problema
de informações equivocadas, gostaria
de fazer algumas considerações sobre
o assunto.
O início da experimentação
animal deu-se em meados do século XIX quando
foram realizados as pesquisas que levaram ao descobrimento
dos anestésicos gerais.
Passados mais de 150 anos, em todos os países,
descobertas fundamentais para a humanidade foram
realizadas, milhões de mortes foram evitadas
graças a utilização dos animais,
seja no campo da hipertensão arterial, no
câncer, nas patologias cerebrais (exs. doenças
de Parkinson e Alzheimer, retardamento mental),
doenças parasitárias e infecciosas,
na descoberta de novas vacinas (pólio, sarampo,
difteria, tétano, hepatite, febre amarela,
meningite etc...), na descoberta do DNA e de novos
medicamentos, antibióticos, antivírais,
fármacos para o controle da dor e da asma,
para o tratamento da ansiedade e distúrbios
do sono, antiinflamatórios e analgésicos,
hipnóticos e sedativos, antidepressivos,
antiarrítmos, diuréticos, hormônios
anticoncepcionais, quimioterápicos, antidiabéticos
(insulina) etc.
Jamais chegaríamos ao estado atual das pesquisas
com células-tronco, uma das grandes esperanças
da humanidade, na cardiologia e em outras patologias,
se os animais de laboratório não tivessem
sido utilizados numa fase preliminar nos laboratórios
da nossa cidade, e sempre é bom lembrar que
todos os avanços da ciência no campo
da terapêutica também beneficiaram
nossos animais domésticos.
É fundamental esclarecer à população
e aos vereadores que se experiências com animais
fossem proibidas na nossa cidade todos os esforços
para descobrir vacinas para a Dengue, a Aids, a
Malária, a Leishmaniose etc seriam jogados
literalmente no lixo.
E vacinas já produzidas na Fiocruz não
poderiam ser utilizadas, pois o controle de qualidade
de medicamentos, cosméticos e vacinas virais
(hepatite e raiva) e bacterianas (DPT, meningite,
BCG), executado no Instituto Nacional de Controle
e Qualidade de Saúde (INCQS), da Fiocruz,
também é realizado em animais de experimentação.
Somente após o referido controle os lotes
de vacinas podem ser liberados para uso de forma
segura pela população.
O cientista é um profissional que tem a ética
e a transparência como princípios básicos
para as atividades desenvolvidas no Laboratório.
Para que pesquisas que utilizem animais sejam aprovadas,
o investigador tem que submeter seus protocolos
e projetos a rígidos e exaustivos processos
de análise dos “Comitês de Ética
no uso de Animais de Laboratório”,
existentes nas Instituições brasileiras.
Estes Comitês de Ética têm princípios
básicos bem explicitados, verdadeiros dogmas,
que dizem que a dor e o sofrimento desnecessários
são inaceitáveis; deve-se escolher
sempre que possível métodos alternativos,
ou seja, formas de estudo que não utilizem
animais; deve-se utilizar o menor número
possível de animais necessários para
obtenção de resultados válidos;
a utilização de animais em pesquisa
deve estar condicionada à relevância
científica e à adequação
do método de estudo; o pesquisador deve ser
treinado para fazer experimentação
em animais, e é responsável pelo seu
bom uso; o transporte, as acomodações
e o trato dos animais devem ser feitos com o mínimo
de estresse, de forma que seu equilíbrio
biológico seja preservado.
Nossa esperança é que com o avanço
cada vez maior da tecnologia progressivamente os
animais deixem de ser utilizados pela pesquisa/medicina
experimental.
Torcemos para que em futuro próximo este
ideal seja alcançado com a descoberta de
novas metodologias e equipamentos. Neste momento,
porém, somente em alguns poucos casos a Biologia
Celular e Molecular através de técnicas
de Cultura de Tecidos nos dá essa possibilidade.
Esperamos que os vereadores da Cidade do RJ, que
tem uma das maiores concentrações
de Instituições de C&T do Brasil,
tenham orgulho desse fato e seguindo o exemplo de
Oswaldo Cruz, no inicio do século passado,
ajudem a transformar nossa cidade no grande templo
da ciência nacional.
Renato Sérgio Balão Cordeiro é
pesquisador titular e chefe do Depto. de Fisiologia
e Farmacodinâmica da Fundação
Oswaldo Cruz, membro titular da Academia Brasileira
de Ciências e da CTNBio.
Reprodução do artigo enviado ao JC
e-mail e publicado em 19 de Abril de 2006.